quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A Puritana

Cena do filme "Ligações Perigosas" de Milos Forman

Era época de festividades na corte inglesa, os períodos beligerantes haviam cessado e o país vivenciava uma prosperidade invejável.

Duquesa de Lancaster, mulher suntuosa e assertiva, terminava de cuidar das minúcias da tradicional festa de sua família. Todos os detalhes necessitam de uma precisão incorruptível! O imenso palácio abrigava uma infinidade de cômodos, corredores infindáveis e adornos luxuosos. Toda a opulência da aristocracia inglesa parecia estar contida naquele espaço. 

Havia rumores de que até Vossa Majestade dignificaria aquela noite com sua eminente presença, assim como todos os membros mais relevantes da alta sociedade e do clero inglês, o que tornava a responsabilidade da Duquesa ainda maior. A perfeição daquela noite significaria a consolidação do prestígio dos Lancaster perante a coroa inglesa. 

A sonolenta partida do sol sinalizava o início daquela deleitável noite. Enquanto isso, a Duquesa, imersa na sua importante tarefa, corria os olhos pelos corredores, certificando-se de que o banquete seria suficiente, de que as coreografias possuíam harmonia, de que os instrumentos musicais estavam incólumes e de que todos os subalternos estavam presentes. 

Gradativamente, os convidados foram surgindo e como em um jogo de xadrez, os peões vieram primeiro, depois os bispos... Até que a Rainha Vitória e o Príncipe Alberto de Saxe surgiram reluzentes na grama altiva do palácio. Naquele momento, os olhos da Duquesa esboçaram um brilho que ofuscou até a imponente lua que surgira instantes antes. 

- Vossa Majestade, perdoe-me se a comemoração não estiver condizente com a sua gloriosa presença. 

- Não se preocupe Duquesa! Tenho a mais absoluta certeza de que a festa estará tão efusiva quanto o seu sorriso.

O coração da Duquesa passou a palpitar com uma maior calmaria, o nervosismo do seu sorriso foi se esvaindo e os poros da sua acetinada cútis não produziam mais aquele suor gélido. Recuperou a postura firme e iniciou o percurso pelo labirinto de luzes. Tudo ocorria conforme seus planos, a fartura, os risos estrondosos, as danças, os olhares... Mas, Quem é aquele? Uma súbita interrogação irrompeu da mente da Duquesa quando se deparou com um jovem incomum. 

Seu traje era totalmente distinto, um tecido negro envolvia os traços do seu corpo esbelto, algo em forma de cruz ornamentava seu pescoço e a escureza de seus calçados transmitia uma elegância intrigante. Nada se esquivava do senso apurado de observação da Duquesa e quando os olhares, finalmente, cruzaram-se, a estrutura sólida que residia em seu corpo, calcada em uma etiqueta inquebrantável e um autocontrole ortodoxo, estremeceu intensamente. 

Quando se deu por si, estava em seu quarto e seu corpo já havia tomado a decisão de se entregar àquela imediata calidez. Os lábios se fundiam em línguas e salivas, a agressividade dos movimentos denotava uma fome indomável, as respirações ofegantes premeditavam o temporal e as sedentas mãos procuravam abrigos quentes e úmidos. 

O longo e irretocável vestido azul de seda da Duquesa ia, paulatinamente, desfazendo-se nas mãos obstinadas do estranho e exibindo, inicialmente, os seios mais perfeitos que aquele homem já vira. Como um recém-nascido ávido por leite, ele percorria as orlas dos seios com delicadeza, até alcançar os vistosos bicos e sugar todo o ar puritano da Duquesa, cujos gemidos iam se intensificando sem controle. O êxtase era tamanho que ela pressionava a cabeça dele em direção a seus seios para que aquele instante durasse perenemente. 

Porém, aquilo estava longe de ser o bastante e, logo em seguida, ela permitiu que as mãos do estranho retirassem a parte ainda encoberta do seu corpo e invadissem territórios mais incandescentes. Totalmente nua e deitada na sua cama escarlate, a Duquesa podia sentir a umidade proveniente da língua do homem, encharcando sua vagina desguarnecida. Ele jamais tivera contato com um perfume tão suave e aprazível como aquele, e o sabor era divino. Quem dera pudesse viver lá dentro pela eternidade. 

Em meio a um prazer imensurável, a Duquesa decidiu despir o sedutor homem que, tal como um vendaval vigoroso, estava desconstruindo-a, preceito por preceito. Então, com uma impulsividade animalesca, arrancou o traje dele, contemplou sua nudez e a rigidez de seu pênis e, em seguida, virou de bruços, aguardando sem medo que ele penetrasse bem fundo. Àquela altura, as douradas pérolas que compunham seu colar estavam espalhadas pelo chão, o estranho, na lasciva fúria, havia arrebentado todos os adornos da minuciosa aparência da duquesa. Só havia dois corpos nus em explosivo êxtase. Enquanto o homem penetrava de forma cada vez mais intensa, a Duquesa se aproximava cada vez mais do paraíso, agarrando as almofadas brancas com força, mordendo o lábio inferior da boca e emitindo os mais estrondosos gemidos de sua vida. Suas pernas trêmulas e o berro animalesco do rapaz sinalizaram o ápice do prazer. Em sua mente, nada mais habitava, nem mesmo o longo casamento que nutria com o Duque de Lancaster.


Após o ato, sentia-se leve e livre como a fumaça que exalava das lenhas em sua enorme lareira. Feito dois perenes amantes, deitaram-se em aconchegante silêncio. Sob o peito dele, ela descansava suas loiras madeixas enquanto ele encarava o teto do quarto palaciano com jubilosa tranquilidade. Nada sabia acerca do misterioso rapaz com quem acabara de fornicar. O fato de não trocarem nenhuma palavra deixava tudo ainda mais excitante para a Duquesa, que parecia não se importar com a passagem diretamente ao Inferno que adquiriu. De puritana, apenas o rótulo.


Repentinamente, o som selvagem dos violinos cessou, dissolvendo àquela fantasia erótica que, embora de curta duração, parecia ter durado séculos. A presença da Duquesa logo foi requisitada para ser contemplada com uma profusão de elogios, inclusive do próprio Duque, homem pragmático e previsível. Que festa esplendorosa! Todavia sua mente permaneceu com aquele rapaz enigmático que havia observado e conquistado sua atenção de modo implacável. Sua aparência e trejeitos recordavam muito o Padre Mackenzie que conhecera há 20 anos e por quem cultivou uma paixão proibitiva, atemporal e arrebatadora.






Este texto foi escrito ao som de Vivaldi - Summer

Por Vitor Costa

4 comentários:

  1. Uh, teu texto me lembrou do concurso de contos eróticos! Por acaso escreveu este texto para ele?

    Gostei da forma com a qual abordou a temática, admiro quem sabe escrever bem o gênero. Tem gente que acha que sabe, mas fica um negócio tão vulgar que inibe o leitor (nem todos, né).
    Esperançosa e curiosa pela parte II.

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    1. Escrevi sim Carol, porém, o autor do site me disse que as pessoas que já escrevem no site não poderiam participar do concurso, então, como já havia começado esse texto, resolvi publicar por aqui mesmo rs

      Obrigado querida! Pois é, há uma diferença muito grande entre o erótico e o pornográfico. Nesse caso, tentei evitar a vulgaridade o máximo possível e utilizar bastante eufemismos rs

      Em breve continuarei ;-) Beijos!! Que bom vê-la por aquiii!

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  2. Como assim parou logo nessa parte???
    Gent, amei. Eu adoro literatura erótica. Até tenho alguns contos no estilo, mas ~vergoinha~ de postar (não porque eles são eróticos, mas pq não acho eles mt bons, sl, n sei kkkk)
    Po, eu realmente não esperava pelo final. Uma história na corte, ok, foi realmente inesperado pra mim o caminho q o conto tomou.
    Eu sou fascinada pelo seu talento, Vitor. Sou fã de como a sua escrita se adequa a diferentes modalidades de texto e sempre fica uma delícia de ler.
    As metáforas acabaram me lembrando Almodóvar. "Quem dera pudesse viver lá dentro pela eternidade".
    Sou a favor de mais contos do gênero aqui no blog!

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    1. Adoraria ler um conto erótico seu Mari!!
      Que bom que gostou querida, seu feedback é sempre importante para mim.
      Quando escrevi esse trecho foi pensando em Almodóvar mesmo, naquela cena de Fale com Ela.
      Com certeza virão mais do gênero!
      Beijos!

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