Cena do filme "Melancholia" de Lars Von Trier
“Doutor, eu
quero todos os anestésicos possíveis.”
Aqueles olhos vermelhos não enganavam,
era um pedido de um moribundo que não suportava mais as dores do mundo, nem as de
si mesmo.
Fugir de uma realidade imposta,
supostamente natural.
O moribundo queria sorrir sem pensar
e nem recordar que sorriu um dia, quando o mundo cabia em uma rua, quando
viajava nas alamedas de suas perspectivas.
Desistiu cedo demais, enterrado por
suas convicções impulsivas. Desistiu de si mesmo e da mudança que considerava
ilógica.
Afundou-se na sua prepotência espiritual e intelectual, era dono de uma soberba involuntária que disseminava
o desinteresse pelas outras pessoas. Nada que viesse dessas ‘criaturas
mesquinhas e insípidas’ o alentava, agravando ainda mais aquela sensação pretensiosa
e intrínseca de deslocamento:
“Eu não pertenço a lugar algum, nem
a ninguém. Não deixo rastros, nem memórias, muito menos histórias da minha
incapacidade de amar sem pensar no fim do amor. Eu pertenço à frivolidade.”
Cria
que tinha vislumbrado o sentido da vida na sua falta de sentido, que a
infelicidade é um ônus dos questionadores.
Insatisfação constante que nem por
um instante deixou de ser partícipe dele.
Antes de ser moribundo, ele já o
era.
“O trabalho entorpece o homem.”
Balbuciava o inerte ser que habitava
aquele pedaço de carne sem valor e balbuciava, pois nunca teve arrojo para
articular suas ideias sinceras, para pugnar por elas. E, assim, foram sendo corroídas
gradual e dolorosamente, as asas de suas esperanças.
Ele almejava um destino grandioso,
ser famoso dentro do seu anonimato. Mas, o moribundo, coitado, permanecia estagnado
durante o dia todo, adotava a mudez como sua única arma contra a sua revolta universal.
Seu corpo apático, sua mente abatida e seu coração pávido eram tudo que
lhe restava. "Quem tem motivação em respirar um ar tóxico que martela dúvidas
sistêmicas e incessantes?", pergunta de um principiante que sempre caminhou pela
camada tênue de gelo, mas que jamais quis, realmente, que ele se quebrasse e o
arrastasse para o desconhecido profundo. Aprendiz que se tornou moribundo.
Porém, ele se esqueceu de que tudo
se converge em momentos e é questão de escolha padronizá-los, perpetuá-los em
regras imutáveis. É questão de escolha sorrir na tragédia ou chorar na bonança,
viver na esperança ou morrer na lembrança e vice-versa.
E agora moribundo? Você cavou sua própria cova, você
generalizou, não deu chances a ninguém. O trem está chegando, não quer proferir
suas últimas palavras?
“Sem mais pensamentos, reflexões e
questionamentos, só quero viajar em silêncio, sem alardes, lamentos, constrangimentos...longe de mandamentos e de qualquer tipo de sentimento. Talvez assim eu me sinta
feliz, sem sentir.”
Igualmente a tantos outros
moribundos, ele partiu desse mundo sem deixar saudades, como espectros que
passaram um tempo no paraíso, invisíveis, condenados e totalmente incompreendidos.
Vitor Costa
Vitor Costa
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