domingo, 4 de maio de 2014

O Moribundo


Cena do filme "Melancholia" de Lars Von Trier

            “Doutor, eu quero todos os anestésicos possíveis.”

            Aqueles olhos vermelhos não enganavam, era um pedido de um moribundo que não suportava mais as dores do mundo, nem as de si mesmo.
            Fugir de uma realidade imposta, supostamente natural.
            O moribundo queria sorrir sem pensar e nem recordar que sorriu um dia, quando o mundo cabia em uma rua, quando viajava nas alamedas de suas perspectivas.
           Desistiu cedo demais, enterrado por suas convicções impulsivas. Desistiu de si mesmo e da mudança que considerava ilógica.
          Afundou-se na sua prepotência espiritual e intelectual, era dono de uma soberba involuntária que disseminava o desinteresse pelas outras pessoas. Nada que viesse dessas ‘criaturas mesquinhas e insípidas’ o alentava, agravando ainda mais aquela sensação pretensiosa e intrínseca de deslocamento:

       “Eu não pertenço a lugar algum, nem a ninguém. Não deixo rastros, nem memórias, muito menos histórias da minha incapacidade de amar sem pensar no fim do amor. Eu pertenço à frivolidade.”

           Cria que tinha vislumbrado o sentido da vida na sua falta de sentido, que a infelicidade é um ônus dos questionadores.
           Insatisfação constante que nem por um instante deixou de ser partícipe dele.
           Antes de ser moribundo, ele já o era.

            “O trabalho entorpece o homem.”

           Balbuciava o inerte ser que habitava aquele pedaço de carne sem valor e balbuciava, pois nunca teve arrojo para articular suas ideias sinceras, para pugnar por elas. E, assim, foram sendo corroídas gradual e dolorosamente, as asas de suas esperanças.
          Ele almejava um destino grandioso, ser famoso dentro do seu anonimato. Mas, o moribundo, coitado, permanecia estagnado durante o dia todo, adotava a mudez como sua única arma contra a sua revolta universal.
Seu corpo apático, sua mente abatida e seu coração pávido eram tudo que lhe restava. "Quem tem motivação em respirar um ar tóxico que martela dúvidas sistêmicas e incessantes?", pergunta de um principiante que sempre caminhou pela camada tênue de gelo, mas que jamais quis, realmente, que ele se quebrasse e o arrastasse para o desconhecido profundo. Aprendiz que se tornou moribundo.
          Porém, ele se esqueceu de que tudo se converge em momentos e é questão de escolha padronizá-los, perpetuá-los em regras imutáveis. É questão de escolha sorrir na tragédia ou chorar na bonança, viver na esperança ou morrer na lembrança e vice-versa.
           E agora moribundo?  Você cavou sua própria cova, você generalizou, não deu chances a ninguém. O trem está chegando, não quer proferir suas últimas palavras?

     “Sem mais pensamentos, reflexões e questionamentos, só quero viajar em silêncio, sem alardes, lamentos, constrangimentos...longe de mandamentos e de qualquer tipo de sentimento. Talvez assim eu me sinta feliz, sem sentir.”
           
          Igualmente a tantos outros moribundos, ele partiu desse mundo sem deixar saudades, como espectros que passaram um tempo no paraíso, invisíveis, condenados e totalmente incompreendidos.

Vitor Costa

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