Cena do filme "Chinatown" de Roman Polanski
Deparou-se com o espectro no espelho. As glândulas sudoríparas em transe e o olhar atônito descortinavam a ilusão. Coragem, homem! De todos os serviços, esse, indubitavelmente, era o mais ingrato, ainda mais porque os letárgicos escrúpulos dispararam sinais vitais, como se quisessem respirar na ausência de oxigênio.
Havia anos que seus movimentos eram metódicos, que sua vida era simples e sua disciplina, irrepreensível, porém seu mundo intocável havia sido bruscamente invadido por uma forma de vida desconhecida.
Como ele poderia saber que o destino tinha um senso de humor tão perverso. Justo ela! Em outros tempos, hesitar era uma impossibilidade sólida, porém, dadas as fatídicas circunstâncias, nunca sua assertividade vacilou tanto. Os pensamentos trêmulos de uma mente, até então, irresoluta, imersa em sangue e desprovida de remorso.
Mesmo o relógio, seu cúmplice obediente, parecia debochar de sua situação e transformava segundos em horas apenas para apreciar aquele sofrimento inédito.
Pela primeira vez na vida, ele não sabia o que fazer.
Invocou o seu deus morto, despejou lágrimas ocultas e a mais insolente das hipóteses habitou sua mente: fugir. Aprume-se, homem! Ele vai te fazer de comida de porco se tu fizer isso! Despido de qualquer traje emocional, ele era apenas desolação e revolta.
Seus colegas de trabalho se limitariam a dizer que era somente frescura, a tal crise dos 15 serviços. Porém ele tinha suas razões, ela era perfeita na sua imperfeição, encantadora em demasia, nem parecia humana, deslumbrante fantasia real. Tinha ela, a anja balzaquiana, que ser injustamente a filha do chefe.
As lembranças da última noite de fervoroso sexo ainda pulsavam vívidas em sua memória fotográfica. Da pequena janela do quarto do hotel, era possível observar os pingos de uma tarde gris de outono, enquanto, no interior do aposento, ardiam dois corpos em combustão. Ela, de pele clara, porém bronzeada pelo sol de São Francisco, sorriso leve, olhos levemente puxados e altamente sedutores, uma diminuta pinta do lado direito inferior de seus lábios de sereia dava um toque especial a sua silhueta encantadora, além disso o cabelo se aconchegava delicadamente pelos seus traços faciais e se estiravam pelos ombros desguarnecidos. Sentir aquele corpo desenhado com esmero pela natureza se desfazer entre seus dedos gélidos era a sensação suprema de êxtase. Fazia questão de escavar cada minúcia corpórea, sua língua inquieta desfilava pelos contornos graciosos abrindo espaço para penetrar o escudo invisível. Não havia mais resistência. Ela era toda sua, mesmo sem ser. Nua feito a lua que, logo após a chuva, surgiu curiosa para espiar o casal em profundo transe. Sintonia que fornecia a ele rara vivacidade e sentido em existir, mais do que matar por dinheiro.
A ele não surpreendia um pai desejar o corpo morto da filha, o mundo era suficientemente insano. No entanto, que demência descabida era ordenar o extermínio de um ser tão especial, pobre espécime esporádica em território miserável. Ao inferno com essa vida! Não vou fazer! Tá Decidido! Antes esterco suíno do que eterno amaldiçoado!
No ápice do desespero, decidiu sumir. Pela janela, o correr das paisagens, embora os pensamentos estáticos soubessem que o chefe enviaria alguém para persegui-lo, como uma sombra incessante. E o pior, substituiria-o para matá-la. Profissional experiente que era, enxergava alguma probabilidade razoável de sobrevivência. E ela? Que chances teria? Queria apenas poder senti-la... Mais uma vez!
Pela janela, o sol se despedia, levando consigo as esperanças de revê-la.
Amei, super intenso <3
ResponderExcluirObrigado Ana ^^
ExcluirGosto muito dos seus textos, Vitor :3
ResponderExcluirhttp://sobremeninasevodcas.blogspot.com.br/
Muito bom saber disso Veronika! Volte sempre! ;-)
ExcluirPQP, VÍTOR. De longe, o melhor texto que li neste blog, arrepiei cada fiozinho agora!
ResponderExcluirPS: Notei o enorme intervalo entre as postagens do Mundo em Cenas, o que tem rolado? Está concluindo algum curso ou algo do tipo? ;)
ResponderExcluirBeijão, meu queridíssimo!!!
E novamente, parabéns pelo puta texto. E amei o deboche blasfêmico HAHAHAHAHA =*
Então Hell, tenho me dedicado mais na melhoria da minha situação profissional. Ultimamente tenho tido menos tempo, mas fico muito feliz de saber que você notou a ausência dos posts :-) Pretendo postar com maior frequência em breve ;-)
ExcluirHahaha obrigado pelos elogios calorosos. O deboche foi a cereja no bolo né Hahaha
Beijão
Sem dúvidas a cereja no bolo HAHAHAAH <3. Genial!
ExcluirClaro que notei, passo sempre por aqui.
Bom saber que está aperfeiçoando seu profissional, em tempos de crise é fundamental segurarmos o que temos, né? Além, de claro, ser prazeroso e somar à equipe. Todo o sucesso do mundo, você merece.
Beijão, Vitor <33333333333333
FODA. Que situação, que escolha, que momento...!
ResponderExcluirMuito obrigado Lari!! :-D
ExcluirExcelente, Vitor! És um escritor de mão cheia , pronto. Tem estilo próprio, elegante, culto. Quando ao conto...Situação parecida com um filme, também de mafioso, que encarregou seu capanga de matar uma moça, mas, ai ele se apaixonou e não o fez, o gangster mandou outro alguém dessa fez matar os dois. Muito legal a narrativa, tocante. ABRAÇOS!
ResponderExcluirMais uma vez, agradeço muito seus elogios Fábio! Sempre uma honra enorme! Abraços amigo.
ExcluirHeeeeey :D eu aqui rs
ResponderExcluirNão cheguei a assistir esse filme ainda, mas vai pra lista *.* Quanto ao texto uhm me lembrou de longe os romances de Shakespeare por essa tonalidade impossível e também as tragédias gregas :B Na realidade que na minha mente sinto tudo perfeitamente harmônico para uma peça teatral *.*
Maravilhoso como sempre, amg
Passe bem
xoxo
Como assim Washington? Recomendação máxima!!! É um dos meus filmes favoritos :-) Que honrosa comparação, mesmo que longínqua. Adoro esse tom trágico de Shakespeare!
ExcluirMuito obrigado caro amigo!
Abraços
Muito obrigado Antonio! Fico feliz com sua presença, certamente irei visitar seu espaço! Abraços
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