quinta-feira, 30 de julho de 2015

Caos no Tribunal

Cena do filme "A Professora de Piano" de Michael Haneke

Eu me sentei na cadeira estofada, observei as fofocas, eram sobre aquele dia, só podiam ser. Não iriam falar sobre futebol, nem criticar o governo pelo seu descaso com a educação. O assunto era um só: eu e ele. Levantei-me e me retirei daquela dissimulação barata, podiam ser bons professores, porém, eram péssimos atores. 

Poucos são aqueles capazes de dissimular uma reação espontânea do corpo, e eu captava esses sinais com uma discrição incomum, pois, ao chegar à sala, percebia as máscaras caindo sobre o chão e antes que pudessem recolocá-las, era possível vislumbrar as faces inquisidoras, a natureza cancerígena do ser humano. 

Havia rumores acerca da minha conduta, os corredores murmuravam quando eu passava e eu podia ouvir vozes percorrendo a escola. Os meus dias lá estavam conturbados.

A sociedade tem o inerente costume de direcionar a vida das pessoas, porém, no meu caso, ela fez o contrário: impeliu-me a seguir as rotas avessas a ela. Talvez não fosse paixão, fosse apenas vontade de contrariar, de enfrentar as expressões hipócritas dos meus colegas de trabalho, dos habitantes da imaculada cidade e da santa imprensa.

Sim, transei com ele, várias vezes, uma melhor que a outra, eu o ensinei minhas posições favoritas e ele, como um aluno obediente, aprendeu com afinco. Essa era a resposta que eu desejava esfregar no rosto angelical da sociedade, porém, o silêncio, meu melhor amigo, acalmava-me com sua costumeira indiferença e me fazia acreditar que todos estavam errados.

Eu vivia sob o peso daqueles olhares inclementes, mas eu podia suportar, era até reconfortante o silêncio e a honestidade que me ofereciam. O teatro havia terminado e os atores, finalmente, haviam me revelado quem eram na vida real. Eu podia sentir a minha apatia incomodando a incólume moralidade daqueles juízes.

No entanto, as paredes da minha sanidade começaram a desabar quando eu pude ver, naquela segunda-feira fastidiosa, as denúncias de assédio sexual. Policiais querendo falar comigo como se eu fosse uma homicida. O que eu fiz de errado? Fui ingênua em acreditar que um adolescente impulsivo teria a mesma maturidade emocional do que eu, pois eu andava sobre um campo minado, cujo passo descuidado poderia me custar caro, e foi o que ocorreu. De certo modo, era um risco programado.

No instante em que caminhava em direção aos policiais, toda a minha miserável vida veio à tona e só imaginava os escombros da minha implosão. Tudo estaria perdido, minha reputação, carreira, status, dignidade, honra... nada me restaria. Exceto... a verdadeira liberdade na prisão.

Este texto foi escrito ao som de Fight Club - Finding the Bomb


Por Vitor Costa

6 comentários:

  1. Aplausos Cara! Bravo, bravíssimo! Essas coisas são nojentas, essa hipocrisia, os olhos vorazes da inveja. O mecanismo da sociedade perfeito, um vigiando o outro, guardiões da ordem de desordenados controladores. Abraços!

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  2. A sociedade inquisidora. Complicado lidar com olhares hipócritas. Isso tudo é muito sujo mesmo. Texto muito intenso, com a atmosfera adequada ao tema. Prende o leitor. Isso me fez lembrar o quanto você é bom contista. Parabéns Vitor! ;)

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    1. Muito obrigado Alexandre! Sempre uma honra receber elogios de alguém tão talentoso como você!

      Grande Abraço amigo!

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  3. Bom dia Vitor..
    tá dificil aturar essas coisas..
    indignação que tentamos falar em prosa ou verso..
    temos que meter bronca mesmo.. parabens.. abraços

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    1. Concordo plenamente Samuel!
      É tanta hipocrisia que nos acaba trazendo inspiração para protestar de forma literária!
      Abraços

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