quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Metrópole

Cena do filme "Drive" de Nicolas Winding Refn

Ando pelas ruas e só vejo solidão, passos que não se cruzam, cabeças inclinadas, conectadas a um mundo intocável. Nem o congestionamento congelado, as buzinas incessantes, a fumaça que paira sobre os prédios, o fétido odor do esgoto me desviam o foco dos rios de gente.

Eu mal consigo enxergar os rostos desses fantasmas apressados, desfigurados pelas configurações tecnológicas, afogados em si mesmos. Cada universo que me atravessa, sem que eu possa conhecer. Há tantas pessoas, tantas histórias que, talvez, apaziguariam o meu velho desespero, porém, antes que eu possa divagar, outras possibilidades passam por mim. E lá se vão o meu hipotético melhor amigo e a possível mulher dos meus sonhos. Nunca mais os verei.

Eu me conecto e desconecto nos becos da minha imaginação, lá onde residem minhas esperanças. Porém, eu não sinto mais o calor vindo desse teclado, o fulgor proveniente dessas palavras estáticas, eu me sinto desamparado. Eu me confundo com o computador que uso para escrever, ele não me abraça como antes. Hoje, tudo o que preciso é apenas de contato humano.

E quando saio de madrugada, pelos labirintos de pedra, dirigindo pelas ruas desertas, eu sinto a solidão corroendo a carcaça do meu carro, o peso da minha insignificância afetando minha postura e as pessoas passando como luzes e eu passando pelas luzes, e músicas, e bares, e lojas, e boates, e edifícios, e mortes, e vidas.

 Por Vitor Costa



18 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Formamos uma multidão, onde representamos um grande vazio. Cada um com seu nível de egocentrismo, sendo ou não a pessoa mais importante da vida de alguém. Mas o que representamos para essa mesma multidão que nos encara todos os dias? Apenas números. Andamos conectados, fixados em uma tela de celular, tablet, quem sabe, mas não olhamos fundo nos olhos de um estranho na rua; perdemos a capacidade de perceber se uma pessoa está bem ou mal, não dizemos mais sequer um bom dia. E a maioria das pessoas que fazem discursos como esse (o que representa uma grande parcela da população) não age de forma diferente...
    Vitor, teu texto me atingiu em cheio. Li cada palavra desejando engolir um pouco menos desse mundo em que vivo. Enxerguei um eu lírico totalmente sóbrio, porém perdido: um porre interno.
    Parabéns por escrever tão bem. Ótima noite.

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    1. Demais, Carol. Lê o meu texto, disse algo muitíssimo parecido e nem havia lido o seu comentário antes.

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    2. Qual texto Fábio? O que será postado hoje?

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    3. Acho que o Fábio se referiu ao comentário dele ao meu texto, Carol rsrs

      A propósito, adorei o seu comentário, sempre tão amável e enriquecedor. Pois é Carol, é um mundo louco, extremamente individualista e solitário. Se nem nossos vizinhos conhecemos direito, o que dirá das sombras que passam por nós nas ruas lotadas de uma cidade grande.

      Beijos e tenha um ótimo dia ;-)

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    4. Ah, li agora e realmente ele se referiu ao comentário. Viajei legal, hahaha.
      Poxa Fábio, tivemos a mesma linha de raciocínio.

      Vitor, obrigada, esses comentários só existem porque a tua escrita é maravilhosa. Beijo.

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  3. Bom dia Vitor.. uma descrição perfeita de como tb estou a ver as coisas hj em dia.. e olha que minha cidade é pequena.. não tem nada de metrópole e já tá um caos.. pessoas sugadas, controladas, deixam toda a sua essencia na tecnologia, acham que tudo é real.. nem o mundo que se esta é real. é um véu de ilusão.. abraços e um lindo dia

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    1. Olá Samuel, concordo com você. Na verdade, eu moro em uma cidade pequena também haha, porém ela fica próxima de São Paulo e, ocasionalmente, eu vou para lá. E toda vez que vou pra lá, fico me perguntando sobre as pessoas que andam por todos os lados, que passam e eu nem vejo direito, que esbarro por engano... Será que não há alguém como eu nessa multidão de faces desconexas?
      Ótimo comentário Poeta
      Abraço e tenha um formidável fim de ano.

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  4. "E lá se vão meu hipotético melhor amigo e a possível mulher dos meus sonhos" - Eu SEMPRE. PENSO. ISSO. CARA;
    Como sempre, você escreveu mais um texto genial, mas esse aborda um tema que particularmente me interessa, já que descreve mais ou menos um dos funcionamento mais comuns da minha mente.
    Não gosto do filme da vez. Achei Drive um drama extremamente chato com um herói clichê, e nem Christina Hendrix salvou com aquela aparição de cinco minutos dela. Bleh.
    Mas também não tenho nada contra, eu sei que muita gente gosta e tal, enfim. É isso.
    Bjão!

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    1. Hahaha Que bom que você pensa assim também Mari. Dá uma puta angústia pensar nessas coisas, é insano imaginar individualmente esse mar de gente, mas eu queria poder explorar cada universo particular. Muito obrigado pelo elogio querida, valeu mesmo ;-)
      Sobre Drive, é um filme que gosto extremamente, fico um pouco chateado de você não ter gostado, mas faz parte. Queria poder debater horas e horas sobre o filme contigo, aliás sobre inúmeros filmes. Você deve ser alguém bem interessante para conversar :-)
      Beijão!

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  5. Poxa parece que foi eu que escrevi, claro que não sairia tão bem, me refiro a ideia. Talvez reparo nessa multidão sem faces, de anônimos que se atropelam no asfalto, nessas faces escurecidas pelos prédios, nessa pressa absurda. Todo mundo "falando" com todo mundo pelo smartphones, e com a cara de poucos amigos pro estranho do lado na cadeira de ônibus. Meus amigos foram tragados pelo cotidiano pela realidade que intimida qualquer sonhos, pelas garras de fumaça dos carros na hora do rush. Enquanto a vida vai se gastando como uma vela, somos pobres parafuso da grande engrenagem, tão insubstituíveis como as lâmpadas, tão importantes como os aparelhos de barba descartáveis. Demais, Vitor! Me lembrou uma canção popular antiga:

    https://www.youtube.com/watch?v=WtgtaO8i15Y

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    1. Demais foi o seu comentário Fábio! Muito sábio e realista. Fico lisonjeado com seus elogios, sempre revigorantes!

      Ah conheço essa música, eu gosto dela. Tem tudo a ver mesmo ;-)

      Abraços amigo.

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  6. Que texto profundo e autêntico, Vitor! Um poético retrato do que é se sentir só em meio a multidão - quem é que nunca experimentou tal sensação?
    Concordo com a Mari, também me chamou atenção em seu texto a parte em que disse: "E lá se vão meu hipotético melhor amigo e a possível mulher dos meus sonhos".. realmente, eu também imagino o mesmo! Quantas pessoas e vidas que se perdem em meio a multidão nós poderíamos conhecer.. Lembrou-me uma citação de Charles Bukowski, sobre o amor: "(...)Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece." Acho que o mesmo pensamento se reflete também em seu texto, e é uma grande verdade!

    Tenha um ótimo fim de ano :)
    Um grande abraço

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    1. Pois é Vane, se há uma coisa que nos une é a solidão, paradoxal, mas verdadeiro.
      Eu conheço essa citação do Bukowski, Vane, inclusive, usei-a como uma das minhas inspirações para escrever esse texto, você leu meus pensamentos rsrs
      Obrigado pelo lúcido comentário.
      Um grande abraço pra ti também.

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  7. Oi Vitor,
    Um texto muito bem escrito. A multidão é assustadora
    mas a solidão também é. Os labirintos que percorremos é sempre dentro de n[os mesmo
    e o incio e o fim também é feito em nós.
    São os andarilhos perceptivos.
    desejo um feliz natal e um ano cheio de boas surpresas.
    Beijios

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    1. Oi Bandys, que bom que apareceu ^^
      Obrigado pelas palavras e pelos pensamentos tão reflexivos. Os labirintos internos são os piores mesmos, são os que nos tornam enigmas para nós mesmos.
      Desejo um ótimo natal e um fim de ano próspero para você também ;-)
      Beijos

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  8. Texto favoritado. Texto perfeito! Minha identificação com o narrador-personagem foi tanta que me senti mais do que entre suas palavras: me senti sob a pele dele.

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    1. Muito obrigado Lari, criar identificação é a maior recompensar que posso ter aqui, fico extremamente satisfeito, ainda mais vindo de você, uma escritora tão talentosa.
      Beijos

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