Cena do filme "Segredos de Sangue" de Chan-wook Park
Há 10 anos que, calidamente, desejo aquele corpo, cada pedaço dele, como um banquete que mataria a minha infindável fome. Quando a vejo, meu sangue vira vinho e me embriago de suposições, posições. Que vontade de sentir aquela carne nas minhas mãos inquietas, de fazer ela transpirar como se tivesse completado uma maratona. É coisa de animal indomável que nem uma tempestade de gelo resolveria.
Há 10 anos, eu me camuflo na ética e finjo uma total indiferença. Eu sempre fui um bom ator, já ludibriei o amor, já fiz discursos passionais tão persuasivos quanto falsos, porém, para ela, eu emprestava a minha silente e ilusória resignação, por isso, jamais alguém desconfiou da minha obsessão por aquela pintura tão próxima da minha vida familiar.
Eu queria transplantar o meu cérebro para as cabeças ocas de cada verme que ela já namorou, cada besta ambulante que pôde tocá-la, que teve o divino privilégio de encostar suas patas imundas em uma cútis tão delicada, em um corpo, minuciosamente, conformado pelo tempo. A revolta maior consistia no consentimento dela àquele vandalismo, àquela transgressão explícita.
O hálito inebriado, as noites atravessadas na putaria, os amassos durante o dia, tudo eu via, tudo eu sentia e nada fazia, apenas imaginava, frequentemente, ser um daqueles paus.
Ocasionalmente, eu podia notar nos seus olhos ambíguos, a sutileza de uma ninfomaníaca pronta para me devorar. Ela cruelmente me provocava, pois sabia que eu nunca poderia tê-la. Ardilosa desde cedo, beijava os acéfalos com os olhos abertos, fitando-me como se quisesse a minha língua ali. E eu, um bloco gélido, borbulhando por dentro, disfarçava o olhar, fingia que não era comigo, mas era, sempre foi.
A coragem nunca me invadiu a ponto de impulsionar uma tentativa de desmascará-la, de me desprender de valores morais e, talvez, sentir o insinuante gosto do pecado, o sabor daquela vagina. Ahh... imagina!
Todavia, 10 tortuosos anos depois, estou aqui, arfando em lágrimas no velório dela, lamentando, profundamente, a maior recompensa que o destino me deu: uma morte que não afetou a perfeição do seu corpo, ao contrário, conservou-o intacto e que ressaltou, ainda mais, a sua beleza de deusa nórdica.
Eu sempre fui dono de uma memória invejável... não será difícil gravar o local da sua lápide.
Por Vitor Costa
Porra, Vitor!!! Que imaginação invejável, que obsessão carnal...
ResponderExcluirBelíssimo conto, das coisas que merecem ser relidas.
Muito obrigado Hellen!! Esse comentário significa bastante vindo de você :-)
ExcluirBeijos
Esse texto foi escrito pra mim, Vitor. Faltou o 'dedicado à Mari mari" no final. kkkkkkkkkkk
ResponderExcluirAmo obsessões, amo distúrbios sexuais, e você tocou justamente no meu favorito. Nunca vi o filme segredos de sangue, que ilustrou o post, mas basta vc me dizer que tem a ver com o final do seu texto, e eu baixo amanhã !
ps: Se vc curte filmes em que os zumbis são planos de fundo, vai amar um chamado dead girl. É um filme B, entao alguns efeitos sao bem trash e tal, mas o filme tem o essencial: um roteiro interessante. Fiz uma mini-critica dele aqui: "http://rapepistols.blogspot.com.br/2014/10/especial-de-halloween.html" na verdade, vc chegou a ler, e disse que parecia interessante. Agora que sei esse seu nicho de interesse, tenho certeza de q vc vai gostar. bjão!
ExcluirHahaha Você acredita que, enquanto eu escrevia esse texto, eu pensava: "Esse é o tipo de tema que a Mari adora, pelo menos o comentário dela eu vou ter kkkk" Que bom que eu estava certo e você curtiu :-D Então, o filme não tem exatamente relação com o final do texto, mas tem algumas similaridades, como a obsessão e a família, além de tratar de psicopatia. Acho que você vai gostar, é do mesmo diretor de "Oldboy"."Segredos de Sangue (Stoker)" é cheio de estilo e é corajoso, considerando que foi feito em Hollywood. Recomendo que você assista ontem e diga sua opinião para mim, vou querer muuuito saber.
ExcluirBeijos
É do msm diretor do oldboy americano, ou do original? Vou assistir, pq se for metade de oldboy é mt bom msm. Aí te falo.
Excluirps: olha, eu acabei de fazer a besteira enorme de excluir sem ler alguns comentários recentes, inclusive o seu último. Seria pedir demais pra vc me dizer ais ou menos o q estava escrito nele? kkkkkkkkk
Do original, o remake americano ainda não vi e, sinceramente, não estou muito animado para ver Mari, além de desnecessário, certeza que não tem 1% do impacto do original.
ExcluirHahaha sem problemas, eu comentei sobre o filme Dead Girl, vou te mandar de novo lá no seu blog ;-)
Beijos
Boa tarde Vitor.. muito bem escrito..
ResponderExcluiras vezes temos de colocar para fora o que sentimos e nos consome por dentro..
aquele soneto do himem que tu curtiu srs
faz tempo.. fiz em 2007
e fiz outros mais.. alguns até mais fortes que ele..
só não posso postar senão acho que vai ter mulherada que vai molhar a calcinha rsrs
o manuscrito dele coloquei na antologia assim como o outro mais picante chamado O mel das flores
este não postarei não srs
ai me matam
sobre tags que tu falou..
se for essas coisas de perguntas eu já participei duas vezes.. duas amigas já me pediram isso.. mas é quase sempre a mesma coisa..
abraços e até sempre
Pois é Samuel, concordo. Não podemos ter correntes e pudor para escrever, porém, obviamente, temos que ter cuidado para não cairmos na vulgaridade gratuita. Palavrões, temas sexuais colocados dentro de um contexto justificável, acredito que dão mais intensidade e um tom provocativo ao texto e, no meu caso, aos pensamentos do personagem.
ExcluirDe qualquer forma, que bom que gostou e fiquei curioso para ler esses seus poemas proibidos haha se puder, mande-me por email ;-)
Abraço
Essas palavras acompanhadas de Vivaldi, me arrepiou rs Tormento irônico talvez, aquele terceiro sujeito em nossa vida que está sempre presente, com o passado laçado em suas mãos e o esfregando contra nosso coração. Isso me fez pensar no agora, no hoje, na forma como eu tento viver apenas o momento, o que tiver que ser vivido, para futuramente não haver arrependimentos, pois há arrependimento maior do que o de não ter feito o que sentiu que deveria? Pois é.
ResponderExcluirBelas palavras meu caro, texto maravilhoso :D
Fico realmente feliz que "Winter" de Vivaldi tenha contribuído para a sua experiência ao ler o texto Washigton ;-) Concordo com você. Nesse caso, havia um profundo dilema moral envolvendo o personagem, talvez ele devia ter feito o que queria, mas teria que suportar as consequências depois.
ExcluirObrigado pelos comentários sempre interessantes Washington, abração.
Lindo!!!
ResponderExcluirComo sempre!
Ainda acompanho seus textos sempre.... Nunca me cansarei de lê-los.
bjos
Manu
Fico muito feliz que ainda acompanha o blog Manu, isso é muito importante para mim.
ExcluirVolte sempre, beijooos
Pessoas com memórias invejáveis conseguem transforma-las em textos admiráveis.
ResponderExcluirBeijo
Obrigado pelo gentil comentário Ariana, que bom que gostou do texto e seja bem-vinda :-D
ExcluirBeijos
A frase final permite supor uma porção de coisas, e isto, de dar asas à imaginação dos leitores, é característica dos bons escritores.
ResponderExcluirA minha imaginação já sondou nosso protagonista obcecado com uma pá na mão, na calada da noite, rumo à lápide onde jaz o corpo que foi alvo de seus desejos por tanto tempo. Ali, ele o desenterra para, no lugar da cova vazia, enterrar sua ética, seus princípio morais. E aproveita a noite como que num conto de Álvares de Azevedo...
p.s: obrigada por ter me indicado à tag do último post :)
Por: Jeito Único ♥
Muito obrigado pelas palavras Lari, sinto-me honrado ^^
ExcluirEssa era minha intenção mesmo, deixar o final aberto para que os leitores imaginem o que iria vir depois, o que ele faria depois... E a sua suposição foi ótima, talvez se eu fosse até o fim, essas suas palavras se encaixariam com perfeição para o fim definitivo *-* Os contos de Álvares de Azevedo são incríveis, soturnos e perturbadores, bem lembrado Lari.
Imagina, eu seria injusto se eu não tivesse lembrado do seu blog e de como eu gosto de te ler. Beijos
Genial seu texto! Perfeito! Você é um gênio, Victor! Quero lhe comunicar que o comentário que você fez no poema: Os Confrontos, serviu de inspiração para o poema dessa semana: Pacato Cidadão, tinha feito alguma coisa mais não tava me agradando, pois bem, seu comentário me motivou e me inspirou, retomei e terminei o texto inacabado. obrigado!
ResponderExcluirObrigado pelos fervorosos elogios Fábio! Fico extremamente feliz vindo de um grande esteta das palavras como você!
ExcluirFico também contente em saber que um comentário meu no seu blog serviu de inspiração para terminar a sua poesia, certamente a lerei com gosto!
Abraços
Incrível como você consegue transformar as palavras explícitas em algo extremamente intrínseco e delicioso de ler. Eu gostei da forma como você descreve o libido e da forma como o texto mescla sensualidade, obsessão e drama. Parabéns!
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