sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Viagem Ao Infinito

Cena do filme "Os 12 Macacos" de Terry Gilliam

O mesmo sonho, as mesmas imagens que insistem em habitar minha mente: o corpo coberto de sangue, os vidros estilhaçados, o motorista bêbado e o derradeiro riso do moribundo ao me ver. Majoritariamente, esse é o meu sonho desde a minha infância, talvez seja uma mera lembrança ou talvez seja proveniente de alguma ficção. Não sei.

Antes que eu possa me aproximar do moribundo, acordo mais uma vez:

- Em que ano estou? - Pergunto para a loira apressada que atravessa a minha frente com enormes fones de ouvido.

(As loiras sempre me chamaram mais atenção, mas eu nunca despertei a delas). Ela nem me nota, continua correndo da minha solidão e insensatez. Sou o homem invisível de Deus. Aqui estou nessa esquina atemporal com uma aguda dor de cabeça, agravada pelas buzinas, usinas, turbinas que se juntam em uma sinfonia estridente.

- Minha cabeça vai explodir! - Grito mudamente.

Preciso sair daqui, preciso respirar. Encontro em um beco obscuro, um lugar mais calmo, no qual os mendigos e ratos me fitam com deslumbramento. Ali, consigo um instante para pensar, para que meu corpo me escute e para que eu possa realizar minhas conjecturas acerca daquele caos.

Ao que tudo indica, a máquina funcionou. Para me certificar, indago ao velho mendigo, tão senil quanto eu:

- Em que ano estamos, meu amigo?

- 1990, patrão.

- Muito obrigado, você não sabe como fico feliz em saber isso!

(Será que fiquei realmente feliz?) Levemente recuperado das vertigens, saio do beco e começo a caminhar, com os passos vacilantes, em direção aos resquícios da minha memória. Constato a realidade ao meu redor e, gradualmente, aqueles edifícios, casas e ruas vão se tornando familiares. Percebo que é minha velha vizinhança. Nesse momento, um arrepio me consome e tímidas lágrimas começam a se formar, rejuvenescendo a  minha face exaurida.

Nessa época eu acreditava em um futuro com carros voadores e teletransporte, um futuro em que seríamos uma civilização evoluída, em que não haveria mais guerras e, sobretudo, no qual eu encontraria a mulher dos meus sonhos, porém, minha imaginação feneceu com o tempo e testemunhei o futuro se abrindo sob os meus pés, tornando-se um lúgubre presente e o presente se convertendo em pó. Eu diria àquela criança que, daqui a 50 anos, haverá apenas cacos do mundo idealizado por ela.

Ao menos inventaram a viagem no tempo, porque ainda tinham esperança no passado. Por isso estou aqui, um decrépito fantasma tentando se redimir por ser quem é.

Ao longe, observo meus pais sentados na varanda da nossa estimada casa. Sorrateiramente, aproximo-me e aprecio aquele casal feliz, não me lembrava que minha mãe tinha um sorriso tão belo e que os cabelos do meu pai eram tão vistosos. Repentinamente, irrompe sobre o gramado, um pequeno e viçoso cão com seus pelos dourados e que reluzem quando encontram os feixes de luz solar (É o Dexter!). Logo no seu encalço, surge uma criança, com as bochechas rosadas e os imensos olhos azuis, esforçando-se, inutilmente, para alcançar o veloz cãozinho. Eu consigo ouvir suas gargalhadas, eu quase posso senti-las, tentando reanimar o meu enferrujado coração. 

Uma visceral dor no peito interrompe aquele sublime instante e me recorda de que o meu tempo está se esgotando, não posso permanecer aqui, por mais que seja o meu maior desejo, eu não posso me distrair do meu objetivo. 

Aguardo meus pais deixarem a varanda e, com o corpo cada vez mais esmorecido, cambaleio rumo ao garoto e ao cãozinho desguarnecidos. Confiro se o revólver está no bolso (Infelizmente está), atravesso a rua como se cruzasse um oceano cinza e quente, quando, subitamente, ouço uma buzina.


"Não devemos parar de explorar. E o fim de toda nossa exploração será chegar ao ponto de partida e ver o lugar pela primeira vez." - T. S. Elliot



Por Vitor Costa

20 comentários:

  1. Cara que música é essa?! Eu escutei ela enquanto lia o texto e me enchi de arrepios, muito bom! Gosto quando esses recursos audiovisuais me mostram exatamente a cena que eu estou lendo. E ah, coincidentemente ou não, vi uma cena toda em tons de sépia, hahahaha.
    Gostei do tema abordado, Vitor, com o passar do tempo a gente se esquece das verdadeiras belezas da vida, se esquece até dos sonhos, dos planos e do quão impossível seria realizá-los. É triste, mas verídico. Parabéns.
    Beijos!!

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    1. Também aprecio os recursos audiovisuais para enriquecer a leitura Carol e fico muito feliz que tenha gostado da música e que ela tenha acrescentado na sua leitura ;-) É uma música presente no filme da foto, ela toca em vários momentos do filme, como nesse (se tiver curiosidade rsrs): https://www.youtube.com/watch?v=-MMRqVyAak4
      Aliás, utilizei, principalmente, essa breve cena para construir o conto rs
      Sempre grato pelos seus fundamentais comentários Carol.
      Beijos

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  2. Os 12 macacos é um excelente filme, e na minha opinião, uma das melhores atuações do Brad Pitt.
    Seu texto está fantástico, e meus elogios estão ficando repetitivos por aqui XD
    Curto viagens no tempo. Acho uma premissa interessante, que dá pra trabalhar de vários pontos de vista diferentes. Mas apesar de curtir, não escrevo sobre. Não sou muito boa com temas fantasias. Realidades duras fazem mais meu tipo. Nã que o seu texto não tenha atingido um pouco esse aspecto no final.

    Minha pergunta sobre a sua faculdade foi pura curiosidade, achei que um cara como você fizesse comunicação ou publicidade rs Ah, eu estudo cinema <3

    ps: Seu comentário naquele post pessoal foi um dos melhores. De verdade. Pensei em publicá-lo por puro amor rsrs Valeu pelo apoio, Vitor. De verdade.

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    1. Certamente Mari, Brad Pitt está absolutamente fascinante e deliciosamente insano como Jeffrey Goines. Em alguns momentos ele recorda até o Tyler Durden em seus discursos descontrolados contra a TV e o consumismo.
      Obrigado pelo elogio Mari e fico muito feliz que eles estão sendo frequentes aqui! Sua opinião nunca será repetitiva aqui ;-)

      Rsrs Pois é Mari, comunicação ou publicidade certamente combinaria mais comigo do que engenharia, mas acabei descobrindo isso mais tarde do que imaginava rs Que legal que você faz cinema *-*

      Fico feliz que você tenha gostado do meu comentário Mari, eu não soube muito bem o que dizer, mas o carinho e a preocupação com o seu bem-estar foram muito sinceros. Eu vi que você o publicou :-D Beijos

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  3. Excelente, Victor, foi a melhor coisa que eu já li por aqui, textaço! E, obrigado Carol, por lembrar da musica, não tinha nem reparado, ler o texto ouvindo-a ao fundo, fez a maior diferença, formou todo um clima, ficou otimo!

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    1. As melodias sempre fazem a diferença na poesia, Fábio!!! Muito bom.

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    2. Muito grato pelas palavras Fábio!! Que bom que te agradou!!
      Abraço

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  4. Viagem no tempo é um tema que gosto muito. Tem muita coisa para ser explorada e muitos recursos. O texto, muito bem escrito, passa uma atmosfera tão suave que a gente mal percebe que a viagem tenha acontecido mesmo e você oculta o objetivo de maneira sensacional. Você desviar a atenção da viagem em si em cima de outros aspectos é muito difícil, mas você soube bem destacar a história por trás. E o fim só nos traz mais reflexões sobre a capacidade de mudarmos o passado. Mas acho que é impossível. Ele foi atropelado ao que parece. O destino sempre com suas engrenagens intocáveis.

    Texto excelente Vitor.

    Abração!

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    1. Obrigado Alexandre, você realmente captou a essência do texto. Eu não quis focar na viagem no tempo, mas na história em si, no fato de que não podemos mudar o passado, pois, por mais que tentamos, o resultado vai ser o mesmo. "O destino sempre com suas engrenagens intocáveis", como você muito bem disse.

      Grande abraço

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  5. Vim retribuir a visita em meu blog.
    Obrigada!

    Abraços!

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  6. Olá Vitor
    Que bom que voce apareceu.
    desejo uma ótima semana cheia de paz e luz.
    beijos

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    1. Olá Bandys, obrigado pela visita e tenha uma ótima semana também :-)

      Beijos

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  7. Te indiquei a uma tag lá no blog. Não sei se vc responde tags. Só avisando então.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Eu vi lá Mari, fiquei honrado com a sua indicação e significa muito vindo de você.

      Beijos

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  8. Excelente texto, Vitor! Muito instigante e reflexivo..

    Vou colocar Os 12 Macacos na minha lista de filmes para assistir.. ^^
    Um abraço

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    1. Obrigado Vane!! :-D

      Coloque sim, vale muito a pena. Considero umas das melhores ficções científicas já realizadas.

      Beijos

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  9. A forma como sua narrativa me prende é sensacional. A forma como o início do texto se entrelaça com o fim, numa espécie de ciclo vicioso, é sensacional. A conclusão que tirei do texto, foi sensacional.

    É, tudo perfeito, Vitor.

    Acho que eu não gostaria que existissem viagens no tempo... Já assisti muitos, muuuuitos filmes que as abordam (o último foi Looper, já assistiu? Se não, fica recomendado), e todos deixam meio que claro que não vale a pena remexer no que já passou. Uns mostram isto com aquilo de que escolhas afetam escolhas, outros apelam para o fato de que o momento original será sempre o melhor.

    Ou seja, o importante é viver o presente. Carpe diem.

    Comentado com carinho, Jeito Único

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    1. Agradeço e admiro sua opinião Lari, muito obrigado pelas palavras. Fico deveras feliz que você gostado do texto ^^

      Já vi Looper sim, gostei bastante, é um filme muito interessante e arrojado, eu o utilizei como base também para escrever o texto :-) Concordo com você, se fosse possível mexer no passado nunca seria uma boa alternativa. Porém, há alguns filmes que mostram o oposto, não sei se você assistiu ao novo filme dos X-Men, lá eles lidam com viagem no tempo também, mas de forma esperançosa.

      Beijos Lari

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