segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Homem de Negócios


Cena do filme "Sangue Negro" de Paul Thomas Anderson


Os olhos negros exalavam ódio pelas suas retinas intrépidas, a síntese do desprezo em sua face embrutecida.

- Eu odeio as pessoas, odeio tudo que vem delas - Confessava ao espelho.

A imagem refletida pelo vidro revelava um rosto amargo, corroído pelo tempo, sem escrúpulos, uma força movida pela avareza, pelo desejo de sugar qualquer vestígio de concorrência.

- Eu tenho que ser o melhor, não admito perder. Sou um homem de négocios, eu só preciso das pessoas para que delas eu possa extrair o que me interessa, apenas isso - Dizia ao seu irmão morto, cujo corpo se converteu em sangue pelas suas mãos.

Ele era uma força indomável, um tornado de palavras furiosas sem exceções, sem clemência. Almejava ser dono do mundo, mas sem tocá-lo, sem senti-lo, somente administrando de longe, vislumbrando os animais na lama, enquanto se isolava no seu ostensivo castelo de raiva, onde poderia idolatrar a solidão.

- Por que essa empresa não é minha? Por que esse carro não é meu? Por que esse latifúndio não é meu? - Indagava para sua infindável ganância.

Orgulhava-se da sua misantropia, cuja natureza nunca foi descoberta, pois era dono de nenhum e, ao mesmo tempo, inúmeros passados. Dependendo da intenção, inventava filhos, esposas amáveis, famílias sólidas. Porém, ninguém sabia ao certo o motivo do seu coração morto.

Percebendo o peso da idade e a morte iminente, decidiu realizar uma derradeira entrevista a uma revista sobre empreendedorismo e negócios.

- É mentira quando dizem que dessa vida não se leva nada, eu vou levar tudo. Não vou deixar herança para parentes parasitas usufruírem, não vou deixar descendentes para que não sujem o meu nome. Tudo o que construí morrerá comigo, os únicos vermes que me consumirão serão os que vivem embaixo da terra e não sobre ela - Relatava para a repórter da revista que o elegia como o Homem do Ano.

- Você se considera egoísta e manipulador? - Perguntava a incrédula repórter.

- Sim, com certeza. Se eu não fosse assim eu não teria sucesso, não seria milionário, não teria quadras de tênis no meu quintal, uma piscina olímpica dentro de casa e uma coleção de carros de luxo na garagem. As pessoas sofrem para se adequar ao pragmatismo e à insensibilidade desse mundo, eu já nasci pronto.

Obviamente, o que se leu no dia seguinte foram palavras distorcidas que moldavam um homem generoso, altruísta e cristão. A alentadora e hipócrita imagem do sucesso.

O homem de negócios manteve sua palavra, quando morreu de cirrose foi enterrado em um caixão de ouro e seu patrimônio, à ninguém, foi concedido. Os jornais diziam que ele havia doado tudo para instituições de caridade. Que pessoa admirável!

No tumultuado dia do seu enterro, eu vi uma senhora, com os olhos grandes e inundados, dizendo-me que aquele homem terá um lugar reservado ao lado de Deus. Mal sabia ela que se ele for para o céu, não haverá espaço para ninguém, mal sabia ela que ele transformaria o paraíso em uma terra podre de negócios, mal sabia ela que estava falando com o filho bastardo dele, o filho friamente abandonado.


Por Vitor Costa

8 comentários:

  1. Vitor, que tema interessante - como a maioria dos que você aborda.
    Gostei dessa narrativa, desse narrador que apareceu no desfecho, mudando toda a perspectiva do texto.
    Creio que a maioria das pessoas sejam assim. Sempre pensando apenas nelas mesmas, nos seus bens materiais, entaladas em seus egoísmos. O ego infla, mas um dia também nos afunda; e sempre teremos o mesmo fim. Talvez alguns em caixões de ouro, mas sempre apodrecendo, contribuindo ao ciclo.
    Parabéns pelo texto, como sempre de uma qualidade notável.

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    1. Muito obrigado pelos comentários sempre prudentes e alentadores Carol, pois é, concordo totalmente com você, vivemos em mundo competitivo, no qual cada um deve ser melhor do que o outro, deve ter mais dinheiro e bens matérias do que o outro, só para exibir uma suposta superioridade. Os valores estão deturpados, infelizmente.

      Beijos

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  2. Ótimo texto, muito interessante e bem escrito! Gostei bastante da temática abordada, retratou muito bem grande parte da sociedade atual em que vivemos.. O egoísmo, cada vez mais, corrompe os valores morais das pessoas.

    Tenha uma boa semana. Abraços

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    1. Muito obrigado pelo comentário Vane, fico realmente muito feliz que o texto tenha te agradado. A minha intenção era essa mesmo, uma narrativa que retratasse essa ganância corrosiva que impera na sociedade.

      Beijos e volte quando puder.

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  3. Bom dia Vitor.. mandei comentário ontem a tarde.. será que não chegou...
    foi pelo google+.. só se deu erro.. se não chegou volto e faço o mesmo de novo abraços

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    1. Olá Samuel, infelizmente não chegou seu comentário, não encontrei em lugar algum :-/
      Mas, muito obrigado pela visita, é uma honra.
      Grande Abraço

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  4. Ola Vitor,
    Embora seja um conto poderia ser uma historia real.
    seu texto demonstra muito bem, o egocentrismo,
    o egoísmo e tantos valores deturpados que é fácil encontar nos dias de hoje.
    falta mais amor.
    Uma quinta cheia de luz
    Beijos

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    1. Olá Bandys, que bom recebê-la aqui novamente.
      Pois é, realmente esse personagem não se distancia muito da realidade, há tanta mesquinhez e individualismo no mundo que os valores que importam, como o amor, são ignorados ou vistos como inferiores.
      Obrigado e desejo o mesmo para o seu dia.
      Beijos

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