sexta-feira, 27 de março de 2015

Olívia & Olívia

Cena do filme "Closer" de Mike Nichols


A gasolina disparou junto com o dólar, a corrupção do governo se alastra pelas retinas populares, a presidente, assim como todos os outros fantoches, vendeu ilusões que, obviamente, fugiam ao seu controle. Impeachment? Intervenção Constitucional Militar? Vamos gritar pelo direito de não reivindicarmos mais nossos direitos? Qual a solução? O que fazer?

Para Olívia a resposta era simples: "Não há nada a ser feito", dizia ela com aquela habitual indiferença. Ela era a imagem no meu espelho. Eu me confundia com ela quando pensava, mas não quando sentia. Eu era puro sentimento e ela apenas uma rocha congelada, tão passional quanto a morte. Havia uma incompatibilidade clara entre nós, uma antítese destrutiva que sintetizava a nossa relação. 

O contexto das conturbações sociais que agitam o país serviu para uma tentativa vã, da minha parte, de depositar uma semente inquieta na mente longínqua dela:

- Vamos para a rua, Olívia! Mostrar que somos pessoas conscientes e ativas.

- Mostrar para quem? - cuspiu o seu desinteresse direto na minha face.

- Eu não vou sair daqui até que eu encontre algum sentido nisso. Posso fingir me importar, mas eu não me importo.

E fingir era um hábito intrínseco dela, fingia tão bem que, ocasionalmente, parecia sentir o que vomitava, mas eu a conheço como ninguém, sei identificar a sua frivolidade. O problema maior é que não tenho mais certeza se ainda é uma tática minimalista de auto-proteção. Cogito a temerosa hipótese de que ela seja assim por natureza. Então, teria que admitir a minha derrota.

Há tanto tempo que convivo com ela, que tento compreendê-la plenamente para que possamos viver em harmonia. Não vejo mais alternativas para trazer um alento, algum sentimento para aquela carne oca de metal. Às vezes, sou sutil e a convido para seguir a rotina: "Vamos correr um pouco? Voltar para a academia? Ir para um barzinho, ou prefere uma balada? Ir ao cinema então?". Ela até esboça alguns movimentos, porém, são todos automáticos, todos partes da programação letárgica dela. Em que mundo ela vive? Deve ser bem mais interessante que esse! 

Ocasionalmente, apelo para a mais intensa das fraquezas inerentes ao ser humano: o instinto sexual. "Que se foda! Vamos fazer agora! Aqui mesmo, no meio da rua, no meio do nada, no meio da praça! Eu sei que você quer! Os sinais do seu corpo não disfarçam a sua vontade!". No entanto, o furor do orgasmo logo se verte em tédio e uma sensação amarga de asco a consome.

Nem se o governo promulgasse uma nova Constituição Federal, nem se os militares assumissem o poder, nem se o PSOL vencesse as eleições, nem se o dólar despencasse definitivamente, nem se o salário mínimo aumentasse 10 vezes, nem se a Petrobrás fosse privatizada, nem se a Seleção fosse hexacampeã, nem se o mundo estivesse prestes a desaparecer... eu não conseguiria alcançá-la. Aliás, a realidade já não pode tocá-la. 

Eu a fito agora no espelho, nua, sem desejos, sem esperanças. Os olhos de Olívia se confundem com os meus. Só enxergo Olívia. Ela e ela. Ela e eu. Nos despedimos simultaneamente, com os lábios esboçando as mesmas frases não ditas. "Eu sei Olívia, não precisa dizer." 

Ela ainda faz parte de mim, mas eu não faço mais parte dela. Ou será o contrário?

Por Vitor Costa

15 comentários:

  1. Não sei se entendi certo - são difíceis de entender os teus textos, cara. As tuas metáforas são realmente perturbadoras - mas é como se uma pessoa falasse dela mesma? Um alter ego, eu diria. Como se fosse dois, em um. Ou um, em dois. Não sei, confuso, espetacular.
    Gostei do nome, forte, bonito. É do filme?

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    1. Eu gosto da simplicidade da mesma forma que gosto de coisas complicadas Carol hahaha Na verdade, eu tentei escrever de uma forma que fosse possível ter diferentes interpretações e uma delas é essa que você deduziu e que particularmente gosto mais rsrs
      Beijos querida

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  2. Horrível gente assim, morta em vida, incompatível. Ou será Olívia feliz e louco a quem a diz. Quem somos nós pra julgar onde está a felicidade, o ideal do bem viver, do viver ideal. Intrigante, Vitor.

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    1. Obrigado Fábio, pois é. A indiferença mata e, às vezes, é pior do que odiar.

      Grande Abraço

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  3. Eu amo esse filme. Um dos que não me cansa ver e rever.
    Olívia não me causa espanto, nem antipatia, nem qualquer sinal de incompreensão.
    Eu sou um pouco Olívia.
    Nós temos Olívia em nós.

    Beijoo'o, Vítor!
    P.s: Teu mundo em cenas me encanta!

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    1. Que bom Simone, eu também adoro esse filme ^^
      Disse tudo: Todos nós temos um pouco de Olívia, somos a soma de vários "eus" ou a subtração?
      Beijos!!
      Volte mais Simone, tua presença é sempre importante.

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  4. Ah super egos, são horríveis! Já fui como Olívia, totalmente sem noção.
    Coldplay pra acompanhar o texto foi demais Vitor!
    Bela escrita, como sempre!

    Beijo

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    1. Obrigado pelo carinho Ariana! Fico feliz que tenha gostado do texto e da música escolhida ^^ (apesar de que deu um problema na execução dela e tive que tirá-la :-/)

      Beijos

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  5. Caramba, muito bom.
    Você escreve aqueles tipos de textos que me deixam sem fala, só refletindo, e que me dão uma vontade enorme de postar em meu blog. (vou fazer isso, mas vai demorar um pouco, e claro, vai ter os seus créditos).

    Ás vezes entramos em conflitos com nós mesmos, e eu sei muito bem como é isso - e resolvi nascer no mês de "gêmeos" então sempre tem uma pequena guerra aqui dentro.

    Ah, publiquei seu texto no meu blog. Sensacional aquele poema, muito bom mesmo.

    Beijos
    http://mylife-rapha.blogspot.com

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    1. Muito obrigado Rapha! Teu comentário foi muito pertinente! Pois é, os conflitos internos são os piores!

      Agradeço também por ter publicado meu poema no seu blog, fiquei muito honrado e feliz ^^

      Beijos

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  6. Dos textos que já li neste blog, este acaba de se tornar o meu preferido. Atual, reflexivo, provocante... um verdadeiro mergulho subjetivo numa dualidade que parece perturbar o autor. Muito bem escrito. Parabéns, Vitor!

    Abraços!

    Meus blogs literários:
    O Poeta e a Madrugada (Contos e Poesia)
    Dark Dreams Project (Contos de suspense e terror)

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    1. Muito obrigado pelo comentário Dênis, sempre uma honra receber comentários positivos de um artesão das palavras como você.

      Grande Abraço e volte mais ^^

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  7. Sabe porque eu te amo, Vitor? Porque você pega qualquer situação vivenciada no cotidiano e transforma em um conto foda. E cheio de sentimento, cheio de paixão. Tem alguma coisa em cada linha sua que transborda paixão. Já viu O Segredo dos teus Olhos? Se não veja, porque esse filme lembra muito você.
    A situação política. Ponto. Vira um conto fantástico. Mas cá entre nós, péssima ideia esse relacionamento com a Olívia. Fria de mais para um romântico. Talvez a ideia de compensação deixe uma sensação de harmonia no início, mas no fim o romântico invariavelmente quebra a cara. Mas tudo bem, românticos adoram quebrar a cara por que dá o que escrever.

    obs: Closer <3

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    1. Oii Mari querida!! Muito obrigado pelas palavras!! Vi sim e adorei, inclusive escrevi um texto aqui baseado nesse filme FODA rs. O link se quiser ler: http://omundoemcenas.blogspot.com.br/2014/06/mil-passados-e-nenhum-futuro.html#more :-)
      Falou tudo Mari, "românticos adoram quebrar a cara por que dá o que escrever" - exatamente. E Olívia é o extremo oposto da musa romântica, por isso ela me intriga hahaha
      Beijooos

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  8. Nossa Priscila que rica interpretação, confesso que ainda não tinha visto por esse ponto de vista. Muito obrigado pelo enriquecedor comentário. Volte mais ^^
    Beijos

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