Cena do filme "Closer" de Mike Nichols
A gasolina disparou junto com o dólar, a corrupção do governo se alastra pelas retinas populares, a presidente, assim como todos os outros fantoches, vendeu ilusões que, obviamente, fugiam ao seu controle. Impeachment? Intervenção Constitucional Militar? Vamos gritar pelo direito de não reivindicarmos mais nossos direitos? Qual a solução? O que fazer?
Para Olívia a resposta era simples: "Não há nada a ser feito", dizia ela com aquela habitual indiferença. Ela era a imagem no meu espelho. Eu me confundia com ela quando pensava, mas não quando sentia. Eu era puro sentimento e ela apenas uma rocha congelada, tão passional quanto a morte. Havia uma incompatibilidade clara entre nós, uma antítese destrutiva que sintetizava a nossa relação.
O contexto das conturbações sociais que agitam o país serviu para uma tentativa vã, da minha parte, de depositar uma semente inquieta na mente longínqua dela:
- Vamos para a rua, Olívia! Mostrar que somos pessoas conscientes e ativas.
- Mostrar para quem? - cuspiu o seu desinteresse direto na minha face.
- Eu não vou sair daqui até que eu encontre algum sentido nisso. Posso fingir me importar, mas eu não me importo.
- Vamos para a rua, Olívia! Mostrar que somos pessoas conscientes e ativas.
- Mostrar para quem? - cuspiu o seu desinteresse direto na minha face.
- Eu não vou sair daqui até que eu encontre algum sentido nisso. Posso fingir me importar, mas eu não me importo.
E fingir era um hábito intrínseco dela, fingia tão bem que, ocasionalmente, parecia sentir o que vomitava, mas eu a conheço como ninguém, sei identificar a sua frivolidade. O problema maior é que não tenho mais certeza se ainda é uma tática minimalista de auto-proteção. Cogito a temerosa hipótese de que ela seja assim por natureza. Então, teria que admitir a minha derrota.
Há tanto tempo que convivo com ela, que tento compreendê-la plenamente para que possamos viver em harmonia. Não vejo mais alternativas para trazer um alento, algum sentimento para aquela carne oca de metal. Às vezes, sou sutil e a convido para seguir a rotina: "Vamos correr um pouco? Voltar para a academia? Ir para um barzinho, ou prefere uma balada? Ir ao cinema então?". Ela até esboça alguns movimentos, porém, são todos automáticos, todos partes da programação letárgica dela. Em que mundo ela vive? Deve ser bem mais interessante que esse!
Ocasionalmente, apelo para a mais intensa das fraquezas inerentes ao ser humano: o instinto sexual. "Que se foda! Vamos fazer agora! Aqui mesmo, no meio da rua, no meio do nada, no meio da praça! Eu sei que você quer! Os sinais do seu corpo não disfarçam a sua vontade!". No entanto, o furor do orgasmo logo se verte em tédio e uma sensação amarga de asco a consome.
Nem se o governo promulgasse uma nova Constituição Federal, nem se os militares assumissem o poder, nem se o PSOL vencesse as eleições, nem se o dólar despencasse definitivamente, nem se o salário mínimo aumentasse 10 vezes, nem se a Petrobrás fosse privatizada, nem se a Seleção fosse hexacampeã, nem se o mundo estivesse prestes a desaparecer... eu não conseguiria alcançá-la. Aliás, a realidade já não pode tocá-la.
Eu a fito agora no espelho, nua, sem desejos, sem esperanças. Os olhos de Olívia se confundem com os meus. Só enxergo Olívia. Ela e ela. Ela e eu. Nos despedimos simultaneamente, com os lábios esboçando as mesmas frases não ditas. "Eu sei Olívia, não precisa dizer."
Ela ainda faz parte de mim, mas eu não faço mais parte dela. Ou será o contrário?
Por Vitor Costa
Não sei se entendi certo - são difíceis de entender os teus textos, cara. As tuas metáforas são realmente perturbadoras - mas é como se uma pessoa falasse dela mesma? Um alter ego, eu diria. Como se fosse dois, em um. Ou um, em dois. Não sei, confuso, espetacular.
ResponderExcluirGostei do nome, forte, bonito. É do filme?
Eu gosto da simplicidade da mesma forma que gosto de coisas complicadas Carol hahaha Na verdade, eu tentei escrever de uma forma que fosse possível ter diferentes interpretações e uma delas é essa que você deduziu e que particularmente gosto mais rsrs
ExcluirBeijos querida
"Em que mundo ela vive? Deve ser mais interessante do que esse!"
ResponderExcluir(Fizeste-me rir, mesmo)
Onde ela vive é bom sim, pode ter certeza absoluta que é.
E pause para o meu sonoro Oh - My - God.
O que li aqui, é nada mais e nada menos, algo corriqueiro que acompanha a humanidade desde que o mundo é mundo: a desejada integração entre os opostos complementares: homem e mulher. E que sela plena, amém.
Não saberia bem dizer o porquê, mas Olivia lembrou-me apenas e simplesmente o Conto infantil de "A Bela Adormecida".
Ao contrário de a considerar apenas algo frio, mecânico ou letárgica, ocorreu-me apenas que ela é feita com aquela imobilidade estranha de uma raça antiga que dificilmente se encontra no nosso tempo, nesse mundo de hoje. Bela Adormecida dormiu por 100 anos, por isso Olivia pra mim é ela. Creia, há tantos significados profundos na simbologia (despercebida para a maioria) de uma menina que dorme (ela não morreu, ela dorme), porque sangrou pela primeira vez... (sim, numa roca de fiar, simbolizando que virou uma mulher). Lembras do conto?
E eu te levo a pensar aqui agora comigo: pegue uma criança, (símbolo mor de uma vida nova, pura, animada, sem medo! Tão
frágil e tão corajosa ao mesmo tempo, o pequeno ser mais vivo que existe sobre a terra) e fale a este tenro ser sobre política, preço de petróleo, sobre Roussefs, impeachment, foro de SP, corrupção? Tudo o que eu consigo sentir com uma vida no seu sono, é justamente o contrário da sensação que seu escrito passa sobre o que você sentiu com tal visão, que beira a angústia, a raiva, a frustração de a querer acordada sem conseguir o intento almejado.
Caminha comigo assim:
Olívia está no seu esquife, e dorme, apenas dorme. A vida nesse estado é frágil, nós poderíamos fazer o que quiser com alguém que dorme, pois está sem armaduras, um ser indefeso. Sente comigo, ver tal ser assim entregue é ter o coração duplicado de tamanho, e já não sentir corpo, nem osso, nem veias, mas apenas o sangue a escorrer feito mel, enquanto a alma se consome na mais deliciosa forma de aproximação. Tenta recordar de como é se aproximar de um berço onde um pequeno dorme, de como todo o lugar, a casa, o quarto é silencioso, cheirando a serenidade dum templo de retiro e meditação. Você não adentra esse recinto gritando revolução, nem batendo panelas, mas num estado interior de cuidado, gentileza, porque aquela vida quieta, num sossego tão perfeito, jamais negaria as mãos cuidadosas que a levantasse ao colo, e a abraçasse, respirando só amor. Você já parou para pensar que quando essa pequena vida acorda nos seus braços, e abre os olhos à procura da sombra que ainda somos à tão pura e luminosa consciência ainda incapaz de dar nome as coisas, tudo o que nos resta é apenas explodir de gratidão?
Uma lição pra você: vai na casa de um amigo seu que tenha um bebê em casa.
Mas vai naquela hora em que este está dormindo. E observa todo o ritual de aproximação...
Vais entender melhor o que e quem é a Olívia.
Meu Olá
=)
Desculpe-me...acabei me estendendo.
ExcluirMas é que a Olívia dava pano pra manga. E a sensação do narrador em relação a ela.
;)
Nossa Priscila que rica interpretação, confesso que ainda não tinha visto por esse ponto de vista. Muito obrigado pelo enriquecedor comentário. Volte mais ^^
ExcluirBeijos
Horrível gente assim, morta em vida, incompatível. Ou será Olívia feliz e louco a quem a diz. Quem somos nós pra julgar onde está a felicidade, o ideal do bem viver, do viver ideal. Intrigante, Vitor.
ResponderExcluirObrigado Fábio, pois é. A indiferença mata e, às vezes, é pior do que odiar.
ExcluirGrande Abraço
Eu amo esse filme. Um dos que não me cansa ver e rever.
ResponderExcluirOlívia não me causa espanto, nem antipatia, nem qualquer sinal de incompreensão.
Eu sou um pouco Olívia.
Nós temos Olívia em nós.
Beijoo'o, Vítor!
P.s: Teu mundo em cenas me encanta!
Que bom Simone, eu também adoro esse filme ^^
ExcluirDisse tudo: Todos nós temos um pouco de Olívia, somos a soma de vários "eus" ou a subtração?
Beijos!!
Volte mais Simone, tua presença é sempre importante.
Ah super egos, são horríveis! Já fui como Olívia, totalmente sem noção.
ResponderExcluirColdplay pra acompanhar o texto foi demais Vitor!
Bela escrita, como sempre!
Beijo
Obrigado pelo carinho Ariana! Fico feliz que tenha gostado do texto e da música escolhida ^^ (apesar de que deu um problema na execução dela e tive que tirá-la :-/)
ExcluirBeijos
Caramba, muito bom.
ResponderExcluirVocê escreve aqueles tipos de textos que me deixam sem fala, só refletindo, e que me dão uma vontade enorme de postar em meu blog. (vou fazer isso, mas vai demorar um pouco, e claro, vai ter os seus créditos).
Ás vezes entramos em conflitos com nós mesmos, e eu sei muito bem como é isso - e resolvi nascer no mês de "gêmeos" então sempre tem uma pequena guerra aqui dentro.
Ah, publiquei seu texto no meu blog. Sensacional aquele poema, muito bom mesmo.
Beijos
http://mylife-rapha.blogspot.com
Muito obrigado Rapha! Teu comentário foi muito pertinente! Pois é, os conflitos internos são os piores!
ExcluirAgradeço também por ter publicado meu poema no seu blog, fiquei muito honrado e feliz ^^
Beijos
Dos textos que já li neste blog, este acaba de se tornar o meu preferido. Atual, reflexivo, provocante... um verdadeiro mergulho subjetivo numa dualidade que parece perturbar o autor. Muito bem escrito. Parabéns, Vitor!
ResponderExcluirAbraços!
Meus blogs literários:
O Poeta e a Madrugada (Contos e Poesia)
Dark Dreams Project (Contos de suspense e terror)
Muito obrigado pelo comentário Dênis, sempre uma honra receber comentários positivos de um artesão das palavras como você.
ExcluirGrande Abraço e volte mais ^^
Sabe porque eu te amo, Vitor? Porque você pega qualquer situação vivenciada no cotidiano e transforma em um conto foda. E cheio de sentimento, cheio de paixão. Tem alguma coisa em cada linha sua que transborda paixão. Já viu O Segredo dos teus Olhos? Se não veja, porque esse filme lembra muito você.
ResponderExcluirA situação política. Ponto. Vira um conto fantástico. Mas cá entre nós, péssima ideia esse relacionamento com a Olívia. Fria de mais para um romântico. Talvez a ideia de compensação deixe uma sensação de harmonia no início, mas no fim o romântico invariavelmente quebra a cara. Mas tudo bem, românticos adoram quebrar a cara por que dá o que escrever.
obs: Closer <3
Oii Mari querida!! Muito obrigado pelas palavras!! Vi sim e adorei, inclusive escrevi um texto aqui baseado nesse filme FODA rs. O link se quiser ler: http://omundoemcenas.blogspot.com.br/2014/06/mil-passados-e-nenhum-futuro.html#more :-)
ExcluirFalou tudo Mari, "românticos adoram quebrar a cara por que dá o que escrever" - exatamente. E Olívia é o extremo oposto da musa romântica, por isso ela me intriga hahaha
Beijooos