Pôster do filme "Medianeras" de Gustavo Taretto
Em uma daquelas belas manhãs de inverno, onde a luz solar se recusa a esquentar e qualquer penumbra reserva uma brisa gélida, uma formiga chama a atenção de olhos invisíveis. Estática no meio do asfalto de uma rua pouco movimentada, ela carrega uma folha, resquício de outono, com um esforço muito além da aparência. A folha é imensa perto da formiga.
Seu objetivo é nítido:
chegar ao outro lado da rua. O trajeto, porém, não é nada acalentador. Embora
só precisasse seguir em linha reta até o seu destino, que corresponde a uma
distância aproximada de 1 metro, a formiga não tem pernas humanas, tem apenas
pernas, corpo e cabeça de formiga. E tal como o inseto que é, agiu conforme seu
instinto. Precisa levar a folha e isto basta. Porém, de todas as formigas e
folhas caídas do bairro, essa se diferencia por estar totalmente sozinha em
meio a um oceano cinza intimidador, onde, a qualquer momento, poder-lhe-iam
ceifar a vida. Um pneu indiferente ou até um pé distraído, cruel – quem iria
ligar para uma formiga morta – ninguém se importa, a não ser a própria formiga
e sua destreza inexorável.
No decorrer do caminho,
curiosamente não há percalços comuns, ninguém passa pela rua, nenhum carro
apressado, nenhum passo indiferente. Como se a realidade ao redor tivesse
congelado para contemplar aquela maratona da natureza, porém sem gritos de apoio,
sem aplausos, só o silêncio como torcida e o tempo como juiz. A formiga, no
entanto, mesmo sabendo que só precisa ir reto, hesita, confunde-se, dá meia
volta, desnorteia-se absolutamente sozinha. Irresoluta, cessa seus exaustivos
movimentos por um breve instante, emperra em um trecho da rua, parece ter se
esquecido de onde veio e para onde está indo, porém, não se sabe se por escolha
aleatória ou instintiva, opta por prosseguir o caminho no mesmo sentido
anterior. Cambaleando, deixando a folha fugir de seu domínio inúmeras vezes, a
formiga insiste em seu propósito imediato, inalienável. Inconcebível seria
completar o percurso sem a folha, já não são seres separados pelo acaso. Aquela
formiga encontrou justamente aquela folha. Dentre tantas folhas e formigas, não
há outra combinação como aquela em pleno sol de inverno sob um território tão
hostil.
E assim, com passos de
formiga, sem afobação ou desespero, ela chega ao fim do asfalto, onde há um
emaranhado de galhos, misturados com folhas secas e outras formigas que ali
transitam. Ao contrário do que se supunha, a rua era só o começo. Repentinamente,
as rotas se diversificam, filas de formigas carregando folhas de distintos
tamanhos se formam em várias direções. Os trajetos se encontram e desencontram
em veredas repletas de obstáculos imprevisíveis. A formiga, feito máquina
programada, não se intimida, ao contrário, teima contra a própria natureza que
parece apreciar aquele sofrimento, apostando tudo na sua desistência. Enquanto
outras formigas já estão muito mais avançadas e na companhia de folhas maiores,
ela permanece tentando, resiliente, arredia, no seu ritmo, no seu tempo.
Se a formiga e a folha
alcançaram seus derradeiros destinos? Não se sabe. O narrador foi embora. De
inspiração renovada, deu-se por satisfeito.
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