Parte II
Ela me sufocava, roubava minha respiração, minha identidade. Para ela, eu era apenas uma presa indefesa, um mero alimento para sua insaciável fome de animal selvagem.
Suas unhas feriam minha epiderme, seus beijos possessivos cutilavam meus lábios, ela almejava o meu sangue sobre o corpo dela, uma vampira sádica. Nossos corpos se digladiavam à procura de algum conforto, porém, a sintonia verteu-se em estranheza. Não enxergava mais, sob aquela superfície animalesca, os toques afáveis, a intensidade controlada, o esmero do amor. Eu não sentia nada, além da latente insegurança.
A face e o corpo não haviam sofrido mudanças significativas, somente algumas rugas, o leve declínio dos, outrora, enrijecidos seios, as olheiras profundas, todavia, basicamente, era a mesma garota que acariciava o meu peito, escutava o meu calmo coração e sussurrava, por entre os meus ouvidos, que nunca me magoaria. Eu amava a paz que ela proporcionava, o desapego do mundo. Eu, realmente, amava-a.
No entanto, ela se tornou uma sadomasoquista insana consumida por um ciúme destrutivo que, sorrateiramente, estava nos matando. Um sentimento insidioso que despertava a minha incompreensão. Noites devaneando com a insônia: "Talvez ela sempre fosse assim, e eu, cego pela paixão, nunca notei. Talvez ela sempre foi uma bomba relógio, aguardando a hora de explodir sua essência doentia".
Então, em uma noite gélida, fugi como um garoto amedrontado, esbocei uma carta, mas a rasguei, e os pedaços, queimei na lareira. "Ela nunca entenderia". Quando estava a uma certa distância da nossa casa, observei meus passos moldados na neve, permaneci estático por alguns minutos e voltei a caminhar vagarosamente. Ao chegar na cidade, deparei-me com uma prostituta que, imediatamente, recordou-me dela na sua fase mais vigorosa, fomos para um chalé, os corpos em transe, de repente, meus lábios, involuntariamente, emitiram uma frase empoeirada: "Eu te amo". Inevitável não notar o constrangimento que se estaleceu no ar. Cessei o ato, minha consciência me esmagou como um inseto.
Recolhi algumas migalhas do meu caráter e resolvi voltar para casa. "Talvez não esteja tudo perdido". Entretanto, a presença de novas pegadas e a porta entreaberta gelaram minha barriga, entrei furtivamente e, tão frio quanto o clima, estava o corpo dela, sem vida, estirado ao chão com um bilhete do lado: "Jaz aqui um amor platônico, não correspondido, um ser que se doou de forma doentia, uma mulher franzina, um homem dono do seu maior desvelo."
De certa forma, eu também morri.
Por Vitor Costa
Vitor, parabéns, a segunda parte ficou exatamente como eu imaginava, afinal eu já conheço a sua escrita e sabia que esperar muito de você não seria um erro!
ResponderExcluirGostei de como suas palavras foram ricas, e como elas conseguiram formar imagens tão nítidas ao desenrolar da prosa.
Enfim, acho que não haveria parceria melhor!!! Que venham outros contos.
Beijão!!! :*
Muito obrigado Carol, também adorei nossa parceria e fiquei muito feliz que tenha aprovado o modo como continuei sua história. E que venham outros contos!!
ExcluirBeijos querida
Ao longo da história da poesia se tem conhecimento de varios homens dispostos a morrer por mulheres. Mas mulheres que se matam por causa de homens, me parece ser um pouco raro. Me lembra alguns textos da lispector. Adorei, Vitor, como sempre.
ResponderExcluirVocê tem razão Mari, geralmente é o oposto, homens que se suicidam por amores impossíveis, vide Mal-do-Século. Mas, também conheço histórias de mulheres extremamente ciumentas que morreriam pelo seu amado, não é tão comum, mas existem :-/ Que bom que você adorou Mari e que grande honra ter te despertado lembranças de alguns textos da genial Lispector.
ExcluirBeijão
O desfecho não é tão surpreendente, visto que isso tem sido comum hoje em dia, infelizmente. Homens e mulheres se entregando de forma doentia em um sentimento prejudicial. Acabam se destruindo, renunciando a vida por causa de alguém. É tão egoísta isso. Pena pessoas serem atacadas com essa mortal fraqueza.
ResponderExcluirNo mais, fantástico Vitor. Bem escrito e um descritivo que nos afeta muito. Você arrasa. Seguiu a mesma qualidade da primeira parte. adorei!
Abração!
Pois é Alexandre, essa é uma triste realidade, pessoas que ultrapassam os limites da sanidade em prol de um sentimento nocivo. Não vale a pena, é o amor totalmente distorcido, desvirtuado.
ExcluirObrigado pelo elogio Alexandre, tentei seguir a elevada qualidade da escrita da Carol. Fico muito feliz que tenha agradado.
Abraços
Dei uma sumida daqui Vi, correria. Bom, li a primeira parte, fiquei bem dividido com todas as interpretações que eu tive, não sei se é normal ou se é um bug meu rs Mas esta sua narrativa completou o pedaço que faltava, lembrou-me até mesmo teorias filosóficas, a ideia de um ato repercutir em um futuro ardido e lamentável. Fico imaginando se tu já sentiu na pele todos as sensações que descreveu, pois meu caro, sinto o peso em suas palavras, e se parte disto é desconhecido para tu, devo dizer que tu observa muito mais do que o resto das pessoas, isto é maravilhoso, seu texto ficou lindo, e me deu calafrios a frase final convertida de tal forma, melancolia, sutil, e ao mesmo tempo intensa e caótica.
ResponderExcluirIsso aí, passe bem.
xoxoxo
Pois é Washington, eu visitei seu blog há pouco tempo e não tinha atualizações, logo deduzi que essa sua ausência era justificada pela correria da sua faculdade, isso é normal, às vezes falta tempo para me dedicar mais ao blog também, mas o importante é que volte e não pare de postar ;-)
ExcluirEu gosto dos seus comentários, porque demonstram uma visão criativa e inusitada dos textos, interpretações que, muitas vezes, eu nem teria. No caso desse texto, gostei quando citou a lembrança das teorias filosóficas, às vezes, basta um mero passo errado para cair direto em um abismo infindável. Cara, confesso que as situações e sensações do texto são desconhecidas para mim, nunca passei por algo similar, apenas imaginei como seria. Fico muito grato pelos elogios, você também é um grande observador do comportamento humano e investigador dos sentimentos.
Abração e volte mais ;-)