Cena do filme "Cães de Aluguel" de Quentin Tarantino
Um tiro, um último suspiro, um célere cheiro de pólvora que invade a loja e os alvéolos pulmonares de Rafael. Era o fim inesperado pela infalibilidade do plano. Que perversa ironia. Logo Rafael que havia se recuperado de uma severa asma.
Esses imprevistos acontecem o tempo todo, se nada tivesse acontecido, esse breve conto nem existiria, talvez existisse, mas seria fastidioso, como a maioria dos dias. A tragédia inspira. Porém, eu lamento pelo Rafael, não precisava ser o seu fatídico dia. Não precisava, mas foi, e tudo se iniciou com uma pueril ideia, uma semente corrosiva:
- Vamos roubar uma joalheria! – Sugeriu ao seu letárgico amigo Gabriel.
- O quê? Perdeu a cabeça, cara? Acho que a maconha está fodendo o seu cérebro.
- Falo sério, tenho 30 anos e não tenho nada na vida, sempre fui o bom moço, mas isso não me garantiu nenhuma recompensa. Só amei quem não me valorizou. Trabalho em um emprego que odeio só para agradar os meus pais e não aguento mais essa vida de civil resignado. Quero adrenalina, quero subversão...quero quebrar as regras. Você também precisa de dinheiro, não venha com moralidades.
- Cara, você sabe que isso sempre dá em merda, veja o programa do Datena. Só tem tragédia naquela porra.
- Não tem erro Gabriel, eu tenho uma arma de brinquedo parecida com uma original que ganhei quando era criança. Pelo que me recordo, você também tem uma arma assim, não é? Além disso, tenho umas máscaras de carnaval e luvas de motoqueiro. Há uma pequena joalheria na Rua dos Anjos Caídos, lá é o lugar ideal, pouca segurança e fica meio afastada do centro.
Quem diria que uma conversa despretensiosa em uma ociosa tarde de sábado se transformaria em um plano de assalto. Rafael sempre foi hábil com as palavras, então, convencer o passivo Gabriel não foi uma tarefa das mais árduas.
Uma semana depois, estavam prontos. Não haviam fumado nada para não afetar a concentração, a transição do dia para a noite emoldurava o céu com uma miscelânea entre os resquícios de nuvens e um rastro vermelho deixado pelo crepúsculo do sol. As gotas de suor que, pela face de Rafael escorriam, indicavam a tensão e a incerteza que o dominavam por dentro, assim como o ininterrupto estalar de dedos de Gabriel.
- Vamos, foda-se! - Uma voz repleta de coragem e desespero saiu da garganta de Gabriel.
E lá foram eles, máscaras alinhadas, malas vazias, passos decididos e roupas fúnebres. A loja parecia deserta, adentraram ao local, avistaram uma mulher loira e suntuosa que estava terminando de concretizar uma compra de uns brincos tão reluzentes quanto seus cabelos, a frente dela estava o vendedor, um sujeito que aparentava uma idade avançada, obeso, calvo e com um bigode imenso.
Não hesitaram e imediatamente anunciaram o assalto. Enquanto Rafael demonstrava uma afobação típica de um principiante, Gabriel parecia um profissional, ameaçou a mulher, que aos prantos se deitou, e o idoso, ordenando que retirasse todas as joias das prateleiras e o dinheiro do caixa. Rafael, impressionado com a frieza do seu amigo, apenas observava e desejava sair logo dali.
Ele respirou fundo e ajudou Gabriel a encher as malas, nunca haviam vislumbrado tanto valor acumulado, o combinado era dividir pela metade. Ao terminar de encher sua mala, Rafael partiu em direção à saída, já sentindo o ar gélido que vinha de fora. Naquele instante, ouviu um estrondo e, logo em seguida, sentiu uma fraqueza incontrolável, uma dor excruciante e o sangue inquieto, preenchendo seus pulmões e sua boca. A sua visão turva e derradeira só possibilitou enxergar um vulto pegando sua mala e passando rapidamente pela porta.
Realmente Gabriel tinha uma arma, porém, para infortúnio de Rafael, não era de brinquedo.
Por Vitor Costa
Caraca, Vitor!
ResponderExcluirEu adorei o desfecho do conto - mesmo que em uma situação tão trágica.
O que te levou a escrever isso? Ficou interessante.
Então Carol, não sei ao certo o que me levou a escrever esse conto, acho que foi uma série de fatores: o filme, a vontade de escrever uma história fictícia com um teor trágico, porém com pitadas de ironia, entre outros. De qualquer modo, fico extremamente feliz que você tenha gostado.
ExcluirBeijos
Pouxa, você tem uma escrita profunda. Legal, gostei!
ResponderExcluirParabéns pelo blog.
Prazer,
http://cecisouza.blogspot.com.br/
Muito obrigado Ciça, que bom que te agradou ;-)
ExcluirO prazer é meu.
Beijos e volte mais ;-)
WOW, é isso que eu chamo de um final surpreendente. Que toque legal os nomes dos personagens :)
ResponderExcluirNunca vi o filme (acredite se quiser. que vergonha), então não sei qual é a relação com o conto. Mas gostei bastante da surpresa final.
Beijo
Muito obrigado pelas palavras Milena :-)
ExcluirPois então, eu recomendo que reserve um tempo para assistir a esse jovem clássico, vale muito a pena. Na verdade, a relação do filme com o conto não é muito significativa, tem somente alguns detalhes.
Beijos.
Um belíssimo conto Vitor. Uau! Que adrenalina. Muita tensão na conversa e uma ideia tresloucada. Mas nunca imaginei o derradeiro fim, o que se passava na mente do Gabriel. Que sacana, enganou o próprio amigo. Matou-o a sangue frio. Olha, me surpreendeu o fim. Muito bom. Gosto de contos policiais.
ResponderExcluirVocê escreve muito Vitor. Parabéns!
Espero ler mais contos do tipo. Abração!!
Muito obrigado Alexandre, que bom que o conto te agradou e te surpreendeu. Na verdade, a minha ideia inicial era terminá-lo de outra forma, acredito que tenha ficado bem mais interessante assim rs Pois é, o Gabriel nem hesitou, o assustador é pensar que existem muitos assim, falsos amigos.
ExcluirVindo de você isso é um grande elogio, já que sou um assíduo admirador da sua habilidade com as palavras.
Apareça mais que farei mais contos do gênero sim ;-)
Grande abraço.