sexta-feira, 4 de julho de 2014

Dançando no Escuro (Dancer in the dark, 2000)


Cena do filme "Dançando no Escuro" de Lars Von Trier

          Lars Von Trier foi um dos fundadores, junto com Thomas Vinterberg, do manifesto Dogma 95, que pregava basicamente a valorização do conteúdo das narrativas em detrimento dos seus recursos estéticos, sendo que um dos principais representantes dessa tendência foi “Os Idiotas” dirigido por Trier. Antes de aderir a esse movimento, ele realizou obras peculiares como “Europa” e “Ondas do destino”.

           Após a queda da “febre” do manifesto, Trier realizou uma das melhores obras (senão a melhor) do seu invejável currículo, “Dançando no escuro” que recebeu certa influência do movimento, mas não de modo intenso.

            A história do filme é simples: uma jovem operária, Selma (Björk), que se vê em dificuldades por possuir uma doença hereditária na visão, precisa juntar dinheiro para pagar a operação que evitará que seu filho perca a visão, porém, quando um vizinho a acusa, falsamente, de roubar suas economias, a situação toma um rumo trágico.

            O estilo inconfundível de filmagem de Trier traz um realismo impressionante à história, seu modo de focar os personagens faz com que nos sintamos inteiramente próximos dos dramas deles, sem que haja um distanciamento que poderia enfraquecer a obra, desse modo, os sentimentos manifestados pelos personagens passam a ser nossos também, compartilhamos breves momentos de júbilo e utopia (expressados, principalmente, pelos ótimos e convincentes números musicais que se passam na mente de Selma), com intensos momentos de sofrimento e revolta. Por meio desse turbilhão de emoções, Trier nos convida a refletir sobre temas que transcendem às barreiras da diversidade e dizem respeito à realidade de cada um de nós, como a lealdade, a esperança, o amor materno, a intolerância, a xenofobia, entre outros temas universais.

            As atuações também apresentam um papel relevante para a qualidade da obra, destacando o desempenho de David Morse ("Os 12 macacos", "16 quadras") que consegue transpassar toda a insegurança e instabilidade para Bill Houston, o de Peter Stormare ("Fargo", "Armageddon") que conferiu sensibilidade e tranquilidade a Jeff, a renomada atriz Catherine Deneuve que transformou Kathy, a melhor amiga de Selma, em uma companheira verdadeiramente fiel e dona de uma “força” admirável. Porém, o principal destaque é mesmo a interpretação inspiradíssima da cantora Björk, difícil acreditar que essa foi sua estreia no cinema, pois ela, praticamente, transformou-se em Selma, sua aparência vulnerável, seu olhar cativante, seus passos decididos de dança, sua voz potente e revigorante, enfim, todas essas características combinaram perfeitamente com Selma. Um desempenho marcante, genuíno, intenso, impossível ficar indiferente diante de tamanha entrega a um personagem.

           “Dançando no escuro” definitivamente não é um filme para todos, exige um certo de grau de paciência e “nervos de aço" (assim como a maioria dos filmes de Von Trier), mas, para aqueles que como eu, decidirem se entregar a essa poderosa história, serão contemplados por uma obra que certamente se tornará inesquecível e provocará sentimentos que ultrapassam o limite entre arte e vida.

 "Eu costumava sonhar que eu estava em um musical, porque, em um musical, nada terrível acontece."
Vitor Costa

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