Cena da série "Black Mirror" de Charlie Brooker
Tem gente que passa o Natal sozinha, debaixo de pontes, nas ruas nuas. Sob a luz dos enfeites luminosos, há gente que passa fome e nunca teve uma ceia.
A gente, classe média (de medíocre), não percebe que o Natal virou comércio, publicidade, mero pretexto econômico para que nos comuniquemos e nos expressemos comprando coisas que, supostamente, deveriam simbolizar a nossa solidariedade. Somos solidários com as lojas e suas ofertas mirabolantes, não com as pessoas que queremos agradar, muito menos, com estranhos necessitados.
Nos venderam o Natal como uma época de tolerância, união e paz, porém, na verdade, é só uma estratégia para promover o urso polar e o caminhão da Coca-Cola, os especiais de fim de ano da Globo, o panetone da Bauducco, o chester da Sadia, as ofertas imperdíveis da Marabraz... O Natal virou marketing e dos mais eficientes.
Engolido pela lógica do sistema capitalista, o Natal se tornou apenas mais uma peça do consumismo que rege a maioria das sociedades. Diante desse cenário consolidado, não me atrevo mais a ser aquele garoto que queria mudar o mundo, até porque não existe mais mundo, apenas empresas.
Já que o Natal virou sinônimo de promoções, o que posso oferecer, aos meus queridos leitores, é um produto cultural e gratuito: um episódio de uma série britânica chamada "Black Mirror".
Criada em 2011, a série possui 7 episódios distribuídos em 3 temporadas, cada um apresenta uma história independente da outra, porém, todas possuem como tema essencial os impactos que os avanços tecnológicos trariam para as nossas vidas em futuros não tão distantes. São enredos extremamente reflexivos e provocantes que nos convidam a questionar as nossas convicções, bem como, a nossa ligação com a tecnologia.
Um desses episódios se chama "White Christmas" e foi realizado como um especial de Natal no ano passado. É um dos meus episódios favoritos e, sem dúvida, recomendo para quem procura por uma história diferente daqueles enfadonhos contos de fada natalinos. A melhor parte é que há o episódio completo, com boa qualidade e legendado disponível no Youtube, o link está logo abaixo:
Sugiro que se apressem, pois vídeos assim no Youtube são raros de permanecerem disponíveis por muito tempo hahaha
Por Vitor Costa
Entendo sua revolta, porque ela é minha também. Quando se é criança o Natal é perfeito (pinheirinho enfeitado, luzes, Papai Noel, boa comida, presentes... a "magia" toda), mas, quando se vai amadurecendo, questionando-se a realidade, percebendo cada estratégia de persuasão do sistema, tudo perde o sentido. Porque a hipocrisia que envolve a data é muito grande... Não sobra muito de essencialmente cristão, depois do consumismo, da gula, da ostentação, da falsidade à mesa. É triste.
ResponderExcluirVou conferir o episódio indicado. Aliás, fiquei com vontade de conferir a série toda. Agradeço pelas palavras tão bem colocadas e pela dica.
Beijos!
Ótima indicação, assisti o episódio ontem a noite e custei a conseguir dormir, porque um turbilhão de reflexões me invadiram. Sobre o natal, sobre a tecnologia, sobre o relacionamento entre as pessoas, sobre o capitalismo, já achei tantas coisas dessas tantas coisas, mas, ultimamente ando pensando muito nos discursos. Somos seres de linguagem, e coisas nos são ditas, nos são passadas, para além dos códigos. Assim temos modos de discursos que constroem modos de agir, pensar, sentir, perceber, etc. E atualmente, os mais poderosos discursos, na minha opinião (e aqui não vejo necessidade de citar ninguém apesar de ter lido isso ou aquilo, em alguns lugares) são o científico e o capitalista, e é engraçado porque com o tempo eles se fundem, e trabalham juntos para se reforçarem. Em ambos, a subjetividade é ignorada para dar lugar de destaque às coisas. O processo é longo, mas, abrevio, como nossa subjetividade é permeada, e até constituída por discursos, somos obviamente coisificados, e assim temos valor de uso ou de troca. Só somos, se tivermos acesso a capital e tecnologia, no futuro isso será mais verdade, a ponto de não mais sabermos viver sem as coisas tecnológicas, e é claro, quem terá acesso privilegiado, é quem tiver capital para tal. O resto, ficará com o resto. Isso tudo pra dizer algo que vem me perturbando nos últimos tempos: estamos virando imagem. O progresso, neste caso o que está instalado, foi de ser, para ter, e vai de ter para parecer. O prognóstico é justamente este: Imagem. Talvez códigos binários, talvez dessa forma, talvez daquela. Mas, afinal: imagem. E até nesta etapa de organização, o que estará em jogo será tecnologia e capital. Ciência, que exclui o sujeito. A menos é claro que façamos alguma coisa. Não que eu ache que o desenvolvimento científico e tecnológico sejam só maléficos e nada benéficos. Não. Só acho que o discurso do "mestre" e suas alterações, vem para silenciar, para dizer o que é e ponto, para não deixar questões. E nós, seres humanos, somos e sempre seremos uma questão. Seria melhor que seja assim. Mas, o movimento é para que não seja e, logo, natal, ano novo, aniversário, dia das mães, pais, crianças, etc, etc, etc. serão sempre permeados pelos discursos vigentes. E se saber tem haver com poder, como nos diria principalmente Foucault e Lacan, poder (infelizmente para nós seres não evoluídos) tem haver com dominação e exclusão. Enfim, estou divagando, me permitindo deixar aqui minhas preocupações sem o devido acabamento textual, para expor o que o seu texto, o episódio e algumas leituras estão me deixando como questões.
ResponderExcluirDesculpa invadir assim o seu espaço. Aliás, muito bom o seu espaço. Obrigado pela dica...
Att.
Brilhante reflexão André! Concordo com cada palavra que disse! Estamos realmente em processo de "coisificação" e virtualização da vida. Não sei se assistiu aos outros episódios dessa série, mas o segundo chamado "15 Million Merits" se aprofunda nessa discussão também de maneira ainda mais direta e alarmante, assista se puder ;-)
ExcluirImagina, comentários como esse só abrilhantam o blog. Também curto bastante o seu espaço e suas ideias.
Abraços
Excelente reflexão como todas que encontro aqui, com uma regularidade invencível. "Há gente que vive do lixo, que disputa com os bichos o que presta e não presta os detritos dos outros. Há gente que deseja a sobra de tua mesa, o desprego, o teu sobejo, pra eles um desperdício". Feliz Natal!
ResponderExcluirComplementar e sapiente comentário, como sempre Mestre!
ExcluirAbraços
Olá Vitor!
ResponderExcluirÉ muito pertinente esta crítica que fez ao consumo excessivo que ocorre no Natal.. De fato parece que esta e outras datas comemorativas estão cada vez mais comerciais e desprovidas de um real significado.
Fiquei interessada pela série, vou dar uma olhada nesse episódio! :)
Um grande abraço
E tenha um ótimo 2016!
Sempre um prazer recebê-la por aqui Vane! Venha mais. Muito obrigado pelo comentário pertinente e um ótimo 2016 para você também.
ExcluirAbraços
Passando aqui outra vez só para dizer: devorei os episódios de "Black Mirror". Quer série maravilhosa, que ótima indicação, cara! Impossível não refletir muito com as realidades apresentadas, intimamente interligadas e tão bem construídas. Valeu ♥
ResponderExcluirImagina Lari, que bom que gostou! É ótima né É uma série que sempre levarei comigo pelo resto da vida, ainda mais no futuro altamente tecnológico e menos humano que nos aguarda.
ExcluirBeijos!
É bem triste pensar no que o natal se tornou.
ResponderExcluirE CARA, essa série é do caralho. Vi em 2 dias. Os melhores são o primeiro, e o White Bear (favoritíssimo) - se bem que esse do natal também é demais. Nem sei.
Bem-vinda de volta Mari, senti sua falta. Definiu bem, do caralho... Em ordem de preferência, fico com o segundo "15 Million Merits", "White Christmas" e "White Bear", que também é muito foda. O primeiro é ótimo também. Enfim, todos possuem qualidade elevada, até o do Waldo lá hahaha
ExcluirBeijos
Desde a primeira vez em que comentei no teu blog e desde que conversamos, percebi que você não era como a maioria das pessoas, Vitor, e estou feliz por estar certa a respeito da tua índole.
ResponderExcluirNós realmente também fomos engolidos pelo Capitalismo e isso é tão triste... Estou assistindo ao episódio. Depois te conto.
Pois é, né Carol. Triste realidade, mas não é motivo para não tentarmos ser um pouco diferente, nem que seja nas pequenas coisas.
ExcluirQuando terminar quero muito saber sua opinião Carol.
Beijos