terça-feira, 9 de setembro de 2014

O Chamado Da Violência

Cena do filme "Taxi Driver" de Martin Scorsese

Todos os dias, por trás dos vidros do seu Chevette preto, ele sentia a podridão que vinha das ruas, dos bares, dos bordéis... Nem o esgoto era tão fétido, nem o monóxido de carbono dos veículos intoxicava tanto quanto ver aqueles traficantes vendendo drogas com o sol de testemunha, rindo da impunidade, enquanto os policiais e políticos estavam ocupados demais com suas putas, pagas com dinheiro de suborno, dinheiro sujo, tão imundo quanto eles próprios.

O motorista do Chevette observava tudo com asco, com os olhos distantes e ávidos por uma inclemente tempestade que limpasse toda essa imundície da cidade. Suas retinas também miravam o porta-luvas do carro, que escondia um revolver calibre 38. Era uma medida de precaução, mas ele desejava,ansiosamente, utilizá-lo.

O mistério que envolvia aquele Chevette refletia a solidão do motorista, ninguém tinha intimidade com ele, seu passado era desconhecido, sua família, inexistente, porém, o que não sabiam é que, no fundo, ele queria ter uma vida normal, mulher, filhos, emprego fixo, todavia, aquela sujeira dispersava sua concentração, o seu foco se perdia em meio àquele cenário abjeto. Aquela familiar sede por sangue sujo estava esfacelando sua consciência. A violência o seduzia cada vez mais. O sono e a paz já não moravam dentro dele.

- É tudo uma questão de justiça - Justificava a si mesmo.

Após meses espiando e investigando aquela evidente rede de corrupção, elaborou uma lista contendo os 4 nomes dos principais expoentes do chiqueiro. Esses seriam os alvos, cujo sangue ele degustaria. Inventou uma doença para não ir ao trabalho na Oficina Automotiva e permaneceu dias no apartamento, planejando seus passos, aprimorando sua forma física e subestimando a morte.

Repentinamente, o dia havia chegado, a previsão era de sol intenso e céu limpo. Separou o revolver e o soco inglês. Era tudo o que precisava. O Chevette estava esperando com sua pintura intacta, seus vidros escurecidos e a lataria reluzente.

- Talvez seja nossa última vez, amigão.

Dirigiu alguns quilômetros e avistou os dois traficantes insolentes no local que ele previa, bem na esquina como se fossem os donos da rua. O motorista acelerou compulsivamente e atropelou os dois indivíduos. Em meio a gritos e sangue, ele desceu do carro tranquilamente e disparou dois tiros em cada cabeça. Antes que sirenes pudessem surgir, saiu em disparada com o Chevette danificado e foi em direção ao próximo local.

Um restaurante, lá dentro um Delegado e um Deputado Estadual almoçavam calmamente, uma freada brusca, um homem furioso entrou no estabelecimento, encaminhou-se na direção deles, dois tiros, um no pescoço e outro no rosto do Delegado, sangue por todo o lado, escândalo, o Deputado tentou fugir, porém foi atingido por um soco tão potente que desfaleceu sem metade dos dentes e nem sentiu os golpes seguintes contra o seu crânio, o soco inglês afundava em uma poça de sangue e restos de cérebro.

A camisa branca quase vermelha, os óculos escuros repletos de respingos e um sutil riso de deleite na face extasiada, essa era a descrição do motorista ao sair do restaurante. Naquele fragmento de momento, ele sentiu a paz que gostaria que fosse constante em sua vida instável. Aquela justiça sádica era o sentido da sua existência. Quando os policiais chegaram ao local, nada encontraram, exceto dois sacos de esterco desfigurados.

Por um tempo, as autoridades tentaram, em vão, encontrar o motorista, porém as buscas esmoreceram assim que a desmoralização foi descoberta e assim que perceberam a similaridade com outra "limpeza" ocorrida anos atrás em outra cidade.


Por Vitor Costa

12 comentários:

  1. Descrição instigante, empolgante. lembrei do filme Um Dia de Fúria, perguntar por perguntar, rs... Já assistiu?

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    1. Muito obrigado Fábio. Nossa, você se lembrou de um filme que combina muito com essa história também, eu já assisti há muito tempo, lembro de ter gostado bastante, me deu vontade de reassistir rs Abração

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  2. Você sempre faz uns contos com temas intrigantes, Vitor.
    Entre tanto alarido, é válida a hipótese de que um homem só consegue sentir-se livre e em paz consigo mesmo quando faz justiça - ou o que pensa que é - com as próprias mãos.
    Libertar a mente, creio eu, tem de ser a maior justiça.
    Muito bom! Adoro teus textos, sempre muito caprichosos.

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    1. Adorei o seu comentário Carol, suas palavras são sempre importantes para mim. Eu creio que o senso de justiça é subjetivo. Diante da impunidade que impera no país, a violência contra os crápulas é condenável? Nos sentimos bem quando vemos um criminoso ser esforcado, queimado, etc...? Essas são algumas questões que quis abordar no conto e, em meio a esse cenário, existe a paz que procuramos, existe a justiça que precisamos.

      Também concordo contigo, a maior justiça é a interna. Temos que ser justos com nós mesmos antes de exigir ou realizar alguma "justiça" social.

      Beijos querida.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá, Vitor.
    Adorei o conto, vou te que mencionar isso, me lembrou muito a escrita de Harlan e de uma autora que estou lendo o livro no momento a Lisa Gardener. Conseguir visualizar os cenários e momentos tensos do conto, muito bom. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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    1. Obrigado pelo comentário Renato.
      Cara, devo confessar que não conheço esses autores :-/, mas vou pesquisar sobre eles, fico lisonjeado pela comparação Abração.

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  5. Pára esse mundo que eu quero descer. Cara, eu ADOOOORO textos noir. São à mina maior paixão. Ruas podres, bebidas, mulheres. Se puser um gângster arrogante pra acompanhar, eu tenho um orgasmo.
    No caso aí, vc foi pro lado do justiceiro, que também é legal, uma visão deturpada e sombria do que seria uma espécie de "super herói".
    Seu texto me lembrou o diário do Rorschach, de Watchmen, que foi livremente inspirado no diário de Taxi Driver. Adorei, mesmo.

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    1. Muito obrigado Mari, também adoro textos e filmes noir. A atmosfera obscura e depressiva me fascina, e se toca um jazz melancólico de fundo então, fico louco rsrs. E realmente fico feliz que meu texto tenha correspondido a sua paixão.
      Eu pensei em colocar Gângsters na história, mas eu queria algo mais próximo da nossa realidade. Porém, penso em escrever um conto sobre a máfia.
      Nossa, que excelente referência você me lembrou, adoro esse personagem também, para mim, ele e o Dr. Manhattan são os melhores. Não sabia que o diário dele foi inspirado no Taxi Driver, faz todo o sentido, obrigado pela informação.
      Beijos

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    2. A propósito Mari, já que você adora o clima noir, você já assistiu Chinatown? Esse filme é simplesmente incrível, um clássico do cinema noir.

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  6. Texto forte, bem escrito... Não consegui parar de ler enquanto não cheguei ao final.

    A propósito, não concordo nem um pouco com esse lance de "justiça com as próprias mãos". Neste caso, contudo, fiquei tão no clima da história que não poderia ter esperado um desfecho melhor! É por isso que eu amo Literatura. Ela faz com que eu me surpreenda comigo mesma cada vez que me coloca num novo enredo, com o corpo e a mente de um novo protagonista.

    Comentado com carinho, Jeito Único

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    1. Agradeço muito suas palavras Lari.

      Compartilho da sua opinião. Às vezes, não concordamos com certas questões, mas quando lemos ou assistimos a uma história tão envolvente e que tenha personagens tão interessantes, acabamos revendo alguns conceitos. E é uma imensa satisfação saber que meu texto te envolveu dessa forma.

      Beijos

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