Cena do filme "Terra em Transe" de Glauber Rocha
Minha paixão por futebol vem desde a minha nostálgica infância, onde as ruas se transformavam em estádios, a latinha amassada em bola estilizada, os chinelos em traves, as crianças em Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos, Cafu, entre inúmeros outros ídolos que inspiravam o imaginário do povo.
Nessa época, eu, como a vasta maioria dos meninos brasileiros, sonhava em ser jogador de futebol e vestir a mítica camisa amarela da Seleção, era o ápice de qualquer fantasia. Nesse mesmo período, eu já torcia insanamente para o clube que simpatizei de imediato, Corinthians, e tinha uma profunda admiração pela Seleção. Na verdade, eu enxergava os jogadores da Seleção como vindos de “outro planeta”, pois eu não tinha conhecimento dos campeonatos europeus, onde a grande parte deles jogava, logo, eu os considerava jogadores exclusivos da Seleção, aqueles poucos dignos de representar uma nação inteira de sofredores, uma espécie de tropa de elite do futebol.
Era um imenso deleite e um motivo de orgulho assistir aos jogos da Seleção, observar tanta magia, imponência, comprometimento, era nítida a pequenez das outras seleções perto do resplendor da amarelinha.
Nesse contexto, as Copas do Mundo, aos meus olhos impolutos, tinham uma aura mística, era quando tudo parava, quando pintavam as ruas e as faces com as bandeiras do país, quando o povo se lembrava de ser patriota e quando as torcidas deixavam suas rivalidades clubísticas de lado para se unir em prol da Seleção. E eu me entusiasmava só com a expectativa de poder contemplar tamanha grandiosidade, por isso levei dias para superar a derrota frustrante para a França na final em 1998, porém, 4 anos depois, vibrei como se eu estivesse em campo no título de 2002, até então com os meus pueris 12 anos.
Aí veio o tempo e com ele a minha ingenuidade foi embora, naturalmente a minha visão utópica sobre o futebol e, principalmente, sobre a Seleção foi se desintegrando dentro e fora de campo. Comecei a perceber que a tendência do esporte mais popular do mundo é se tornar apenas uma cadeia de negócios, um jogo sujo de interesses movido por mares de dinheiro, um celeiro de corruptos e o meio mais utilizado para se lavar grana. O futebol se tornou o “Pão e Circo” da nossa Era, onde muitos políticos desviam o foco das mazelas econômicas e sociais para o ufanismo cego, apoiado, também, pela corja jurássica e ortodoxa que comanda a CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Desse modo, eu fui me afastando, imperceptivelmente, da paixão que eu nutria pela Seleção Brasileira, tanto que nem senti muito as eliminações de 2006 e 2010, fiquei levemente chateado, mas nada a ponto de afetar o meu humor. E, em meio a tumultos, desconfianças e alardes, chegamos a Copa do Brasil em 2014. Obras superfaturadas, protestos, conspirações, campanhas midiáticas hipócritas e desvios de verba pública à parte, minha indiferença ainda reinava absoluta e minhas expectativas não eram elevadas em relação ao desempenho da Seleção na Copa.
Todavia, eu comecei a pensar no povo, no verdadeiro povo, não na classe média baixa, mas naquelas pessoas que ainda vivem na miséria, sem acesso a uma educação de qualidade, passam necessidades básicas, lutam para sobreviver com um ínfimo de renda e a economizam para comprar uma TV somente com o intuito de poder assistir ao seu clube de coração e, sobretudo, a nossa tão emblemática Seleção. Essa repentina epifania altruísta me fez ignorar o meu ceticismo e abraçar, mesmo que por alguns instantes, aquele menino, cujo mundo era uma bola de futebol.
Logo, a despeito dos jogos sofridos, do futebol pragmático e tíbio, da dependência excessiva em cima do Neymar (único suspiro de uma genialidade brasileira que parou no tempo), da mediocridade de alguns jogadores e da falta de compacidade do time, eu fui me envolvendo com os jogos, com a determinação de certos jogadores e com a fé do povo na vitória. E, após aquela pugna emocionante contra o Chile, eu me vi, depois de muitos anos, empolgado com a Seleção e repleto de um otimismo que até me soava estranho.
Parecia que tudo estava conspirando favoravelmente para o hexacampeonato dentro de casa, impressão que foi ainda mais reforçada com a boa vitória sobre a Colômbia nas quartas de final. Contudo, havia a Alemanha na semifinal, uma seleção extremamente organizada e disciplinada taticamente que possui jogadores meticulosos com um equilibro emocional quase robótico, um adversário tradicionalmente complicado. Apesar dessas qualidades e das ausências de jogadores importantes como Thiago Silva e Neymar, eu, assim como a maioria, acreditava em um jogo árduo, porém parelho. Mal sabia que estava prestes a testemunhar o maior vexame da história da Seleção, um debacle estarrecedor digno de uma vergonha colossal. Não vou entrar nos méritos táticos e técnicos para justificar o inexplicável, só sei que esse 7 a 1 feriu a alma do menino que me vestia, machucou profundamente não só a ele, mas todo o auspicioso povo brasileiro. Aos poucos, a febre foi se esvaindo, deixando apenas o lúgubre desencanto.
Entretanto, acredito que a maior lição do futebol para a vida é nos ensinar a perder, a aceitar a derrota com espírito esportivo, algo que muita gente não aprendeu ainda, mesmo assim, eu queria que o Brasil fosse campeão, não por mim, mas por essas pessoas tão carentes de alegrias e que ainda depositam seus lampejos de esperanças na Seleção. Este povo “magro, apático, abatido. Este povo não pode acreditar em nenhum partido”, mas ainda acredita no futebol.
“Só queria poder dar uma alegria ao meu povo, a minha gente que sofre tanto. Infelizmente, não conseguimos. Desculpa a todos os brasileiros. Queria ver meu povo sorrir. Todos sabem o quanto era importante para mim, ver o Brasil inteiro feliz pelo menos por causa do futebol.” - depoimento do zagueiro David Luiz após o massacre alemão.
Vitor Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário