Cena do filme "O Grande Lebowski" de Joel e Ethan Coen
Atualmente, ser educado é um exercício um tanto árduo que exige uma paciência e um autocontrole de outro planeta.
Inúmeras vezes sinto aquela chama corrosiva invadindo o meu estômago e subindo pelo esôfago até ficar enjaulada na garganta e retroceder para o ponto de origem, queimando ainda mais na volta.
Em vez de sapos, engulo elefantes para não explodir e ferir inocentes no caminho, e a vontade de mandar tudo para o espaço fica somente na imaginação, lar de todas aquelas suposições de desabafos, de todas aquelas palavras que oprimo para evitar constrangimentos ou conflitos.
Nunca precisei tanto de férias como agora, pois ando mais estressado do que normalmente, ando cada vez mais saturado da redundância dos dias, da proeminente mesquinhez das pessoas, da rotina de trabalho que exaspera a minha mente e suga o meu bom humor paulatinamente, e quando percebo, já estou desferindo socos contra o espelho.
Que inveja eu sinto de mim mesmo quando eu tinha um punhado de dias para me dedicar estritamente ao ócio, para prolongar o sono indefinidamente, confundindo os dias com as noites. Que falta me faz a letargia da cama, a maratona de filmes, a procrastinação voluntária, os livros empoeirados, a independência da internet...que saudade eu tenho de simplesmente sentir, inerte, a passagem do tempo.
Antes eu me sentia até um pouco culpado por ter tanto tempo livre e não fazer nada com ele, mas percebo, hoje, que era o meu tempo mais precioso, no qual eu me sentia entusiasmado com a mera ideia de ter uma tarde ou manhã inteira disponível para dormir, tinha uma paz que mal cabia em palavras e um sossego revigorante.
Certa vez, passei quase 1 hora dia em frente a janela do condomínio, onde eu morava durante a faculdade, apenas observando o sincronismo das nuvens sobre o pátio vazio, imaginando quantas pessoas “ocupadas demais” estavam perdendo aquele etéreo momento, aquele espetáculo bucólico que jamais se repetiria da mesma forma. Com os olhos e o coração brandos, eu me sentia um privilegiado ali, enquanto ouvia o sussurro do vento erguendo as folhas caídas e vislumbrava os feixes de luz abrindo veredas pelo céu anuviado.
Outra marcante lembrança daquela época era a similaridade que alguns dos meus amigos tinham nesse aspecto, pois, não raramente, ficávamos conversando após as aulas, totalmente alheios aos ponteiros do relógio e à pressa que dominava o resto da classe. Os outros sempre tinham algum compromisso, mas, nós, felizmente, não tínhamos nenhum.
Uma vez ou outra, eu reservo uns minutos do meu dia apenas para observar a paisagem e tentar reviver alguns resquícios daquelas sensações que me preenchiam de serenidade nos dias ociosos, porém, são instantes tão breves que mal saciam a minha sede por preguiça.
Mesmo que eu nunca mais tenha a morosidade de outrora, eu não posso me entregar ao ódio, esse dilacerante sentimento que encurta a vida, o que posso fazer é ter calma, não me preocupar tanto com as coisas e murmurar a mim mesmo:
“Relaxe sua mente...esqueça as epifanias de outras vidas...esqueça as ilusões no escuro do quarto, acorde, abra os olhos, enxergue a realidade, não tenha medo dos seus passos desconcertados...assuma o controle e não o perca para os espectros da meia-noite.”
“Junte-se
à religião que cresce mais vagarosamente no mundo — o Dudeísmo. Uma filosofia
antiga que prega a não pregação, é praticada o mínimo possível e, sobretudo,
ah… é… perdi o fio da meada aqui. Enfim, se você quer encontrar a paz na Terra
e a boa vontade, cara, nós o ajudaremos a começar. Logo depois de uma soneca.”- Anúncio da igreja fundada a partir do filme "O Grande Lebowski"
Vitor Costa
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