quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Espiral


Cena do filme "A Estrada Perdida" de David Lynch

Depois de contemplar todos os sinais que lhe faltavam, decidiu abrir mão do casulo, do abrigo de sentimentos fósseis.

Por que eu tenho que ser decente nesse mundo doente?

Era a voz capciosa que corroía a sua mente.
Uma febre de sapiência o dominava gradativamente, mas, ao cair da noite, o conformismo o seduzia e amenizava a sua revolução interna.
E, assim, os dias seguiam repletos de alternâncias que definiam a sua personalidade ambígua.
Os interesses que fingia tão bem, agora feriam o seu coração desacelerado.
A concentração nas obrigações da sociedade já não era tão automática.
Não era mais capaz de disfarçar a sua idiossincrasia nem o brado engasgado de sonhos e embargado de desejos que tanto tempo permaneceu soterrado pelo medo.
Porém, ao passo que ia, recuava.
Vislumbrava os caminhos inexplorados pela sua fome incessante de autoconhecimento, mas ainda lhe carecia a tão almejada coragem das palavras que escrevia.
Optava, então, pelo esquecimento de si mesmo nos braços anêmicos da libertinagem.

O que importa se ninguém nota uma criança morta? O que fazer diante de tantos desperdícios? tantos vícios?

E sempre retornava para a zona de conforto, o espaço morto, lugar do contentamento cego, da aparência infinita do tempo. E lá se arrastava pelo chão gélido das possibilidades.
Certa vez acumulou todas as forças de seus ideais e ensaiou alguns passos incertos, andou tropeçando nos seus próprios devaneios até que esboços de confiança diminuíram a frequência de seus tombos e, repentinamente, enxergou-se de pé, com a cabeça erguida e disposto a explorar aquela fresta de luz no meio do breu insinuante. Entretanto, percebeu que a sua consciência não o estava guiando em direção a liberdade, estava tentando ludibria-lo, pois o que parecia uma linha reta era, na verdade, um enorme círculo camuflado de esperança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário